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Rafael Zanini[1]

1 INTRODUÇÃO

Em nosso dia a dia é comum presenciarmos equipes policiais realizando abordagens a veículos e pedestres. Ora são abordagens em fiscalização de trânsito, ora para realizar buscas, com o intuito de encontrar elementos de corpo de delito ou efetuar prisões, e há casos em que a abordagem visa apenas a orientação e demais verificações rotineiras.

Ocorre que, nos últimos anos, os Tribunais Superiores têm restringido sobremaneira a atuação das polícias em abordagens, especialmente nos casos envolvendo tráfico de drogas. Não bastasse a enxurrada de interpretações para todos os lados acerca da matéria, causando, por conseguinte, enorme insegurança jurídica, há, ainda, a presença de importante atecnia quanto ao manuseio de institutos como o da abordagem policial e o da busca pessoal, não raras vezes sendo tratados como sinônimos, entendimento este que claramente não merece prosperar.

Sem a pretensão de esgotar o tema, o presente artigo visa apresentar a considerável diferença existente entre os requisitos necessários para uma abordagem policial, dos requisitos exigidos para a busca pessoal. Ainda, impactos reais que a inobservância dessa diferenciação nos julgados pode causar na atividade policial, dificultando a tomada de decisões e comprometendo a ordem pública.

2 ABORDAGEM POLICIAL E BUSCA PESSOAL COMO INSTRUMENTOS PRIMORDIAIS DAS POLÍCIAS

A Constituição Federal (Brasil, 1988) assevera que é dever do Estado, por meio de suas polícias, garantir a preservação da ordem pública, incolumidade das pessoas e do patrimônio. Para efetivar a obrigação, União, Estados e Distrito Federal criaram as suas respectivas polícias para atuarem preventiva e repressivamente. Os municípios, por sua vez, estão incumbidos da criação de Guardas Municipais, com o objetivo constitucional de garantir a segurança do patrimônio municipal e seus usuários. A criação das polícias origina a competência de cada uma delas, desempenhando funções típicas e atípicas, de natureza administrativa ou criminal.

São considerados órgãos de Segurança Pública as Polícias Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal, Civis, Militares e Penais, bem como a Guarda Municipal e os Corpos de Bombeiros Militares. Na seara criminal, com exceção dos Corpos de Bombeiros Militares, os órgãos mencionados devem agir para que o crime não ocorra e, em havendo a consumação ou tentativa, agir para que o autor seja identificado e responsabilizado. Já na seara administrativa, dentro da busca pelo interesse coletivo, além de diversas prerrogativas, detém o poder de polícia.

O poder de polícia é uma das espécies de poderes administrativos. Hely Lopes Meirelles (Meirelles apud Marcelo Alexandrino, 2018, p. 293) conceitua o poder de polícia como sendo “a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”. A doutrina divide o poder de polícia em preventivo, repressivo e fiscalizador. Preventivo, ao estabelecer normas que limitam ou condicionam a utilização de bens ou o exercício de atividades privadas que possam afetar a coletividade (Marcelo Alexandrino, 2018, p. 297); repressivo, ao praticar atos específicos em obediência à lei e aos regulamentos, como por exemplo, apreender revistas pornográficas; e fiscalizador, quando previne lesões, vistoriando veículos, fiscalizando pesos e medidas, entre outros (Matheus Carvalho, 2020, p. 138).

Além daquilo que a doutrina aponta acerca do poder de polícia, o Código Tributário Nacional (Brasil, 1966) e o Código de Trânsito Brasileiro (Brasil, 1997), conferem amplos poderes às instituições que exercem papel de fiscalização, como se nota:

CTN. Art. 78. […] atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

CTB. Art. 20. Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas federais: […]
II – realizar o patrulhamento ostensivo, executando operações relacionadas com a segurança pública, com o objetivo de preservar a ordem, incolumidade das pessoas, o patrimônio da União e o de terceiros;

III – executar a fiscalização de trânsito, aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa e as medidas administrativas cabíveis, com a notificação dos infratores e a arrecadação das multas aplicadas e dos valores provenientes de estadia e remoção de veículos, objetos e animais e de escolta de veículos de cargas superdimensionadas ou perigosas.

CTB. Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal: […]

III – executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados.

Por isso, diante de tantas funções que os órgãos de polícia possuem, inimaginável seria realizar tudo isso sem a presença daquilo que, pela natureza da atividade, é o carro-chefe das polícias: a abordagem.

A abordagem policial é instrumento operacional primordial para a segurança pública e preservação da ordem, por meio dela ocorrem as intervenções policiais em atendimento às mais diversas ocorrências. Também, a partir da abordagem, o policial orienta o cidadão, interage com a sociedade, flagra e autua em irregularidades administrativas de trânsito. Logo, a presença policial não se resume a uma viatura transitando em via pública com giroflex acionado e o policial como mero observador, mas na possibilidade de um veículo ser abordado e fiscalizado a qualquer momento, fazendo valer o poder de polícia preventivo, fiscalizador e, em caso de flagrante, o poder de polícia repressivo, conforme disciplinam as normas vigentes.

Reconhecendo a importante missão da polícia, o TJSC já se manifestou sobre a aptidão policial para distinguir agentes que, por determinadas manifestações de comportamento, aparentam ou não estarem dotados de boa-fé:

Aliás, é preciso pontuar que o policial militar, diferentemente da maior parte dos civis, é profissional altamente treinado no combate ao crime. É da essência da sua função possuir a aptidão para rapidamente “separar o joio do trigo”, possuindo faro severamente aguçado para distinguir agentes que, por determinadas manifestações de comportamento, aparentam ou não estarem dotados de boa-fé. Foi exatamente isso que, tanto mais aliado às circunstâncias traduzidas do contexto fático, permitiu a empreendida, forte nas fundadas suspeitas de que ali aparentava florescer uma ocorrência de crime (como de fato se verificou com a flagrância bem sucedida, desmantelando possível narcotraficância).Logo, constatado que a ação policial estava legitimada pela existência de fundadas suspeitas para a abordagem e a busca, não se vislumbra a ilicitude das provas obtidas, impondo-se a denegação da ordem neste ponto em específico. (TJSC, Habeas Corpus Criminal n. 5035228-68.2024.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Mauricio Cavallazzi Povoas, Quarta Câmara Criminal, j. 27-06-2024).

Durante a abordagem, as polícias enfrentam o momento mais sensível na atuação, pois os riscos altíssimos exigem do agente a técnica adequada, respeitando o que preconiza a doutrina policial. Trata-se de importante meio de prevenção e repressão às mais diversas infrações, sejam elas de natureza administrativa ou criminal. São muitos os casos de abordagens que iniciam no âmbito da fiscalização administrativa de trânsito e terminam na seara criminal, com agentes presos, armas, drogas e veículos apreendidos.

Cada instituição policial, de seu turno, está incumbida de regular suas condutas e seus procedimentos. O Manual Técnico-Profissional nº 3.04.01/2020-CG, da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais (2020, p. 32), por exemplo, fornece o seguinte conceito de abordagem policial:

Trata-se de um conjunto de ações policiais militares ordenadas e qualificadas para que o policial militar possa se aproximar de pessoas, veículos ou edificações com o intuito de orientar, identificar, advertir, realizar buscas e efetuar detenções. Para tanto, utiliza-se de técnicas, táticas e meios apropriados que irão variar de acordo com as circunstâncias e com a avaliação de risco.

Em recente decisão monocrática do Ministro Cristiano Zanin, do STF, (RE 1.511.104/RS, julgado em 05 set. 2024), reiterou-se que “a abordagem realizada pelos agentes decorre da própria função de patrulhamento e policiamento ostensivo atribuídos aos policiais militares, não havendo falar-se, portanto, em conduta desprovida de previsão legal e em desacordo com a Constituição de 1988”. Confirma, portanto, que a abordagem decorre da própria função e, sendo assim, não há razões para exigir grandes requisitos aptos a justificar o emprego desse instrumento/instituto, diferentemente da busca pessoal processual, que a própria lei determina que seja amparada na fundada suspeita.

Porém, é inegável que a abordagem é um ato administrativo e que exige motivação para sua execução. Ocorre que a motivação se dá a partir da abordagem preventiva, essa que, de acordo com Marcelo Lessa (2022), pode ser entendida como:

[…] uma interpelação excepcional decorrente do poder de polícia e do poder-dever de vigilância do Estado, e que objetiva, com razoabilidade e prévia suspeita perceptiva objetiva (note-se, e não mera suposição para fins de invasão sumária de privacidade), preservar a ordem pública, prevenir delitos e atos antissociais ou atender as conveniências e necessidades coletivas.

Nesse sentido, é a nova recomendação da Polícia Civil do Estado de São Paulo (DGP nº 01, de 11 de julho de 2024), que trata acerca dos parâmetros de interpretação das expressões “justa causa”, “fundadas razões” e “fundada suspeita”. A recomendação trouxe em seu item 2, pioneiro esclarecimento sobre a abordagem preventiva e seus fundamentos: a abordagem preventiva tem fundamento no direito administrativo e pode ser discricionária, desde que respeite os princípios da administração pública, sem qualquer espécie de discriminação.

O mesmo item ensina que a abordagem preventiva é genérica e por amostragem, derruindo a alegação de fundada suspeita para a sua aplicação:

A abordagem preventiva tem fundamento no direito administrativo, motivo pelo qual poderá ser discricionária; contudo, deverá seguir os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, entre outros, de modo que não pode ser determinada por motivos de cor, origem, classe social, ou sem qualquer motivação razoável, sob pena de o agente responder por abuso de autoridade. […] A abordagem veicular pode resultar de uma situação de fiscalização de trânsito (bloqueio ou blitz), ocasião em que a abordagem preventiva é genérica e por amostragem, ou decorrente de situação de policiamento, caso em que o motivo determinante deve ser explicitado, com fim de demonstrar que a diligência era lícita na origem, legitimando eventual busca que se seguir.

Nessa toada, o Superior Tribunal de Justiça (2024), em recente julgado, confirmou que a abordagem pontual de condutores decorre do poder de polícia administrativa, não dependendo de indícios de ilicitude:

[…] A realização de uma blitz de trânsito, assim como a de abordagens pontuais de condutores no trânsito (isto é, independentes da existência de uma blitz), têm amparo no poder de polícia administrativa para fiscalização do trânsito, conforme estabelecido especialmente nos arts. 19 a 25-A do CTB. Dessa forma, não dependem da existência de indícios da prática de algum ilícito, porque, diferentemente da livre circulação de pedestres no espaço público, a condução de veículos automotores é prática que exige o preenchimento de requisitos regulamentares prévios (por exemplo, a habilitação) e sujeita os motoristas à fiscalização rotineira quanto ao cumprimento dessas condições. Essas medidas, portanto, são diferentes das buscas veiculares ou buscas pessoais em condutores, que se destinam a apurar a eventual posse de corpo de delito e têm fundamento processual penal (art. 244 do CPP) (AgRg no RHC n. 178.809/GO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 22/5/2024).

Em decisão anterior, inclusive, afastou a ilegalidade de abordagem policial fundamentada unicamente no poder fiscalizador e repressivo:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL CONTRA DECISÃO QUE CONCEDEU ORDEM. DIREITO PENAL. PROVAS LÍCITAS. BUSCA PESSOAL E DESDOBRAMENTOS FIRMADOS EM JUSTA CAUSA. AGRAVADO NO INTERIOR DE VEÍCULO NO QUAL O MOTORISTA DESRESPEITOU A ORDEM DE PARADA EM BARREIRA POLICIAL. ELEMENTOS CONCRETOS. AÇÃO PENAL INSTAURADA EM RAZÃO DAS PROVAS OBTIDAS EM ATO CONSIDERADO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. CASSAÇÃO DE DECISÃO MONOCRÁTICA.

1. A abordagem policial decorre do poder de polícia inerente à atividade do Poder Público que, calcada na lei, tem o dever de prevenir delitos e condutas ofensivas à ordem pública (HC n. 385.110/SC, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 14/6/2017).

2. A busca veicular, in casu, fundamentou-se em efetiva suspeita (fuga de blitz policial), a configura justa causa para atuação policial, ou seja, quando os agentes empreendem fuga de blitz policial […]. A resistência à abordagem policial demonstra a necessidade da prisão como forma de garantir a aplicação da lei penal (HC n. 454.752/SC, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 15/8/2018).

3. Agravo regimental provido para, ao cassar o decisum de fls. 491/495, manter in totum o acórdão a quo, nos termos do voto. (AgRg no HC n. 839.360/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27/2/2024, DJe de 1/3/2024).

Como se vê, o STJ reconhece a importância da abordagem policial no contexto de prevenção aos delitos e condutas ofensivas à ordem pública. Nessa toada, é notório que a abordagem policial não exige requisitos minuciosos para que haja justa causa para sua execução, pois decorre do poder de polícia administrativa, onde a fiscalização e ações preventivas são exigidas pelas normas e esperadas pela população, garantindo sensação de segurança para a comunidade e reduzindo a necessidade de adentrar nas vias sempre indesejadas da repressão.

Nesse ponto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já reconheceu a legalidade de abordagem policial exclusivamente pautada nos interesses coletivos da Segurança Pública:

A abordagem do agente ocorreu durante a realização de uma ronda ostensiva, ou seja, atividade típica da Polícia Militar. Por meio dela, identificaram de modo objetivo um comportamento suspeito por parte dos agentes delitivos, sendo que a suspeita resultou confirmada pela apreensão do material entorpecente. Frente a esse cenário, também é pertinente ponderar que, tratando-se de abordagem em via pública, de um lado há mera expectativa de privacidade do indivíduo que nela voluntariamente se expõe e, de outro lado, existem interesses coletivos no âmbito de incidência da Segurança Pública, objeto de tutela por agentes do Estado. À luz do Direito Administrativo que erige o princípio da supremacia do interesse público, esses agentes exercem poder de polícia a fim de assegurar a convivência pacífica em sociedade, razão pela qual legalmente se mitiga o direito individual em prol do coletivo. Ao estar a ação policial pautada em legitimidade e licitude, para derruí-la é indispensável a demonstração concreta do desvio de finalidade, abuso ou excesso, não se mostrando suficiente mera conjectura de ato discriminatório ou de excesso policial. Não obstante a existência de vozes dissonantes na jurisprudência pátria, inegável que a ação supostamente defensiva, adotada pelo agente, atrai para si condição atípica, que justifica a ação policial.
Pensar o contrário, em muitas hipóteses, poderia inclusive resultar no reconhecimento do crime de prevaricação do agente público. Afinal, impossível não imaginar que a adoção de conduta evasiva, em nítida reação à aproximação policial, revela elemento objetivo de situação de risco, perigo ou flagrância de ilícito. É pertinente lembrar que o Estado investe recursos na preparação dos policiais para o enfrentamento do crime e preservação da ordem pública justamente para melhor qualificar a percepção ou tirocínio do policial a respeito de determinada conduta ou circunstância, porém, decisões mais modernas tendem a equipará-lo ao cidadão comum que não detém determinados atributos, o que não se mostra razoável. (TJSC, Apelação Criminal n. 0000094-16.2017.8.24.0031, do Tribunal de        Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 11-04-2024).

Como se nota, a atividade de polícia administrativa é ampla, e diferente não poderia ser, afinal, o contrato social outorga ao Estado o poder/dever de restringir direitos individuais em prol do interesse comum e social (Rousseau, 1996). Para cumpri-lo, o soberano deve garantir ao cidadão circular pelas ruas sem o receio de um malfeitor estar caminhando ao seu lado ou, por exemplo, um indivíduo embriagado dirigir automóvel e colocar em risco a coletividade. São inúmeras as atribuições da polícia administrativa e a pronta atuação na prevenção e fiscalização, desde que pautado no interesse coletivo e sem desvio de finalidade, é o mínimo que o cidadão que paga seus altos impostos regularmente espera do Estado.

Por fim, é importante destacar que conforme entendimento pacificado do STF, é dever constitucional o policiamento preventivo e ostensivo, de modo que as forças policiais, ao realizarem policiamento, atuam em estrita observância à legalidade.

Com efeito, a Constituição que assegura o direito à intimidade, à ampla defesa, contraditório e inviolabilidade do domicílio é a mesma que determina punição a criminosos e o dever do Estado de zelar pela segurança pública. É dizer: o policiamento preventivo e ostensivo, próprio das Polícias Militares, a fim de salvaguardar a segurança pública, é um dever constitucional. Os suspeitos têm direito a um sistema penal democrático e a um processo penal justo, ao tempo em que a sociedade tem direito a viver com tranquilidade nas vias públicas.

(RHC 229514 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO, DJe-s/n DIVULG 20-10-2023, PUBLIC 23-10-2023).

Há casos em que a intervenção do agente policial vai além, necessitando realizar a busca pessoal, em desdobramento da abordagem policial. Toda busca pessoal decorre de uma abordagem policial, mas nem sempre a abordagem policial (gênero) resulta em busca pessoal (espécie), e é por isso que tal diferenciação precisa ser observada e respeitada.

O procedimento de busca pessoal é naturalmente invasivo, impõe que o agente estatal toque no corpo e nos pertences do abordado, adentrando na esfera da privacidade, intimidade e limitando o direito de ir e vir, direitos previstos na Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; […]

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

A busca pessoal é dividida em duas subespécies, quais sejam: busca pessoal por razões de segurança/preventiva e a busca pessoal de natureza processual penal. A busca pessoal por razões de segurança não está regulamentada pelo Código de Processo Penal, possui natureza contratual e, em caso de recusa, apenas impede a pessoa de utilizar o serviço ou frequentar estabelecimento, é o caso de festas, aeroportos, rodoviárias, etc. (Renato Brasileiro de Lima, 2020, p. 806).

E é nesse sentido que o Superior Tribunal de Justiça, no HC nº 625274 / SP, entendeu que a vistoria em bagagens de passageiros de coletivos não necessita fundada suspeita, haja vista se tratar de busca pessoal preventiva e não de natureza processual penal:

[…] Assim, forçoso concluir que a inspeção de segurança nas bagagens dos passageiros do ônibus, em fiscalização de rotina realizada pela Polícia Rodoviária Federal, teve natureza administrativa, ou seja, não se deu como busca pessoal de natureza processual penal e, portanto, prescindiria de fundada suspeita. Dito de outro modo, se a bagagem dos passageiros poderia ser submetida à inspeção aleatória na rodoviária ou em um aeroporto, passando por um raio-X ou inspeção manual detalhada, sem qualquer prévia indicação de suspeita, por exemplo, não há razão para questionar a legalidade da vistoria feita pelos policiais rodoviários federais, que atuaram no contexto fático de típica inspeção de segurança em transporte coletivo.
HC 625.274-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 17/10/2023, DJe 20/10/2023.

A busca pessoal de natureza processual penal, de seu turno, está disciplinada no Código de Processo Penal (Brasil, 1940):

Art. 240.  A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1oProceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção.

§ 2oProceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Ainda, o art. 244 do mesmo diploma legal, prevê que:

A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

Em que pese certa obscuridade sobre o que seria a “fundada suspeita”, mencionada no art. 244, do CPP, o comportamento do indivíduo é, certamente, um dos principais fundamentos para ser realizar a busca pessoal. O nervosismo, a mudança de trajeto e a dispensa de objetos ao visualizar a viatura policial, correr da polícia, o cheiro de droga, a alta velocidade no trânsito em via de baixa velocidade e o fato de possuir qualquer sinal de anormalidade no local em que está, como objetos volumosos em partes do corpo, são fundamentos que caracterizam a fundada suspeita e legitima a abordagem policial (Rodrigo Foureaux, 2022).

O próprio STF já indicou que o fato de o indivíduo correr ao avistar a polícia, trata-se de elemento objetivo apto a justificar a abordagem e busca pessoal:

Entendo que, na situação descrita, houve fundadas razões para a busca pessoal, que foram devidamente justificadas a posteriori, indicando a situação de flagrante delito. No caso ora em análise, os agentes públicos receberam denúncia de um transeunte de que havia, em frente a local específico, um indivíduo, com determinadas características, vendendo drogas. Ao aproximarem-se do local, conhecido ponto de tráfico, encontraram o acusado, que tinha características similares às relatadas pelo denunciante. O réu tentou fugir, mas, após ser detido, foi revistado e com ele foram encontrados 80 microtubos/pinos contendo a droga cocaína e 45 pedregulhos da droga “crack” (cloridrato de cocaína). (RE 1.511.104/RS, julgado em 05/09/2024).

Contudo, compreendendo o grau de invasividade de uma busca pessoal, o STJ têm restringido cada vez mais a interpretação do que seria a fundada suspeita, apta a caracterizar justa causa e autorizar a busca, exigindo elementos objetivos para este fim. A justificativa seria evitar revistas exploratórias (fishing expedition):

AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO SUL CONTRA DECISÃO QUE CONCEDEU A ORDEM. PROVAS ILÍCITAS. BUSCA DOMICILIAR COMO DESDOBRAMENTO DA BUSCA VEICULAR ILEGAL. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONCRETOS. AÇÃO PENAL INSTAURADA EM RAZÃO DAS PROVAS OBTIDAS NO ATO CONSIDERADO ILEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.

1. A Sexta Turma deste Tribunal Superior, no julgamento do RHC n. 158.580/BA, assentou que a busca pessoal e veicular destituída de mandado judicial é possível apenas quando as circunstâncias do caso concreto, descritas de modo preciso e aferidas objetivamente, permitirem a conclusão de que o indivíduo esteja na posse de armas ou de outros objetos (droga, por exemplo) ou papéis que constituam corpo de delito, conforme estabelecido no art. 244 do CPP, não sendo admitidas abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions); informações de fonte não identificada; impressões subjetivas intangíveis, pautadas no tirocínio policial, de determinadas atitudes tidas como suspeitas ou certas reações ou expressões corporais que denotem nervosismo (RHC n. 158.580/BA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 25/4/2022).

2. Não há falar em supressão de instância, pois a busca veicular foi examinada pelas instâncias ordinárias, uma vez que a busca domiciliar constitui um desdobramento da revista veicular previamente executada pelos agentes policiais. Ora, pela aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, ante a ilegalidade na busca veicular, tornaram-se nulas todas as demais provas dela decorrentes, inclusive as provas obtidas mediante o posterior ingresso no domicílio dos Acusados, já que evidente o nexo causal entre as diligências (AgRg no REsp n. 2.026.547/PR, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 15/3/2023).

3. moldura fática delineada nas decisões das instâncias ordinárias, exsurge a ilegalidade da busca veicular realizada no carro do agravado, uma vez que fundada apenas em denúncia anônima, e, embora o acórdão hostilizado relate que os policiais montaram vigilância no local, não foi descrita qualquer conduta do agravado que indicasse portar algum dos objetos listados no art. 244 do CPP, de modo que não restou demonstrada a necessária justa causa apta a demonstrar a legalidade da abordagem perpetrada.

4. Evidenciada a manifesta ilegalidade no acórdão ora hostilizado, deve ser reconhecida a ilicitude das provas obtidas por meio da busca veicular indevida e ingresso no domicílio do agravado, tenha ele sido consentido ou não, por constituir prova ilícita por derivação.

5. Agravo regimental improvido.

(AgRg no HC n. 765.736/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 15/5/2024.)

Percebe-se que abordagem policial e busca pessoal são institutos com conceitos diferentes e que reclamam requisitos distintos para a sua aplicação.  Por isso, se faz necessária a correta diferenciação, a fim de se possa garantir maior segurança jurídica para aqueles que atuam na linha de frente na fiscalização preventiva e combate à criminalidade.

3 O STJ E A CONFUSA DIFERENCIAÇÃO

A abordagem policial é instrumento primordial para as polícias e a atividade preventiva, a busca pessoal, por sua vez, pode ser empregada como desdobramento da abordagem, mas ambos os institutos não guardam os mesmos requisitos para o seu emprego. Enquanto a abordagem policial, por si só, está amparada pelo poder de polícia administrativa e decorre das missões constitucionais de cada instituição, a aplicação da busca pessoal de natureza processual penal exige a fundada suspeita, pautada em elementos objetivos. O STJ, enquanto Corte máxima na interpretação da lei infraconstitucional e gerador de precedentes qualificados, têm se manifestado semanalmente acerca dos limites das abordagens com emprego de busca pessoal.

Ao longo da leitura de julgados da sexta turma do Superior Tribunal de Justiça, percebe-se que há confusão entre os dois institutos, seus pressupostos e requisitos autorizadores. Por vezes, um julgado afirma que determinada conduta não caracteriza fundada suspeita apta a justificar a abordagem policial:

[…] Após a abordagem, um dos guardas promoveu buscas na área e encontrou pequenas porções de drogas que teriam sido dispensadas pelo suspeito durante a fuga. Portanto, não se vislumbra sequer a presença de fundada suspeita a ensejar eventual abordagem policial, tampouco situação absolutamente excepcional a legitimar a atuação dos guardas municipais, porquanto não demonstrada concretamente a existência de relação clara, direta e imediata com a proteção do patrimônio municipal. […] (REsp n. 2.108.264, Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), DJe de 29/05/2024).

Em outros julgamentos, porém, reforçam que a limitação da norma é apenas relacionada à busca pessoal:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA DA POSSE DE CORPO DE DELITO. ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Por ocasião do julgamento do RHC n. 158.580/BA (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T, DJe 25/4/2022), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs criteriosa análise sobre a realização de buscas pessoais e apresentou as seguintes conclusões: “a) Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa) – baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. b) Entretanto, a normativa constante do art. 244 do CPP não se limita a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja relacionada à “posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito”. Vale dizer, há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto que constitua corpo de delito de uma infração penal. O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como “rotina” ou “praxe” do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata. c) Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g.denúncias anônimas) ou intuições/impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, baseadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de “fundada suspeita” exigido pelo art. 244 do CPP. d) O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos – independentemente da quantidade – após a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento “fundada suspeita” seja aferido com base no que se tinha antes da diligência. Se não havia fundada suspeita de que a pessoa estava na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida. e) A violação dessas regras e condições legais para busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência”.

2. Na espécie, a busca pessoal realizada no réu foi justificada com base apenas em denúncias anônimas de populares que estavam pelo local dos fatos e na alegação vaga de que ele estava em atitude suspeita – haja vista que estava em uma praça pública cheia de crianças, sentado sozinho, com um urso de pelúcia na mão -, circunstâncias que, no entanto, não configuram, por si sós, fundada suspeita de posse de corpo de delito apta a validar a revista.

3. O acusado, em nenhum momento, dispensou algum objeto ou sacola no chão que, pudesse, de alguma forma, evidenciar, de modo mais concreto, que estivesse na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituíssem corpo de delito, tampouco foi visto vendendo drogas ou mesmo praticando qualquer outro crime que justificasse a busca pessoal.

4. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 875.720/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 22/5/2024).

A Quinta Turma não fica para trás e coleciona julgados confundindo justa causa para abordagem policial e justa causa para busca pessoal. Ora menciona a necessidade de fundada suspeita para a abordagem policial, como no AgRg no HC nº. 778.432/GO em que afasta nulidade de abordagem utilizando elementos objetivos (fundadas suspeitas) e descrevendo uma busca pessoal. Em outras, mencionando, acertadamente, a necessidade de fundada suspeita para a busca pessoal, a exemplo do AgRg no HC nº 832.890/SP.

Como visto, há certa imprecisão quanto ao manuseio correto dos institutos, criando a exigência de fundada suspeita para a abordagem policial, o que na realidade deveria ser para a busca pessoal, que é o desdobramento da abordagem policial, mas conceitualmente com ela não se confunde.

Há prejuízos a longo prazo, pois inicia-se um efeito “bola de neve”, onde inúmeras decisões relatam a necessidade de fundada suspeita para a abordagem policial, acarretando na crença de que realmente tais institutos possuem o mesmo significado e, por consequência, exigem os mesmos requisitos para a aplicação.

Em um primeiro momento, a se atentar única e exclusivamente para o inteiro teor da decisão, poder-se-á chegar à conclusão de que a abordagem policial resultou em busca, e que esta necessita de fundada suspeita. Porém, há casos em que a infração penal é percebida, por exemplo, no uso de documento falso e na falsa identidade, crimes que podem ser flagrados durante a abordagem e não em eventual busca pessoal/veicular, ou seja, sem a obrigatoriedade da fundada suspeita como justa causa para a intervenção.

Quando a menção para suposta necessidade de fundada suspeita para a abordagem policial passa a constar na ementa da decisão, induz o aplicador do direito a qualificar toda a abordagem como de natureza exclusivamente processual penal. Isso porque, o precedente utilizado será a partir da ementa e, consequentemente, nem sempre o inteiro teor e contexto do caso concreto serão observados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Toda busca pessoal decorre de uma abordagem policial, mas nem toda a abordagem policial resulta em busca pessoal.

Partindo dessa premissa mais do que verdadeira, constata-se que o Superior Tribunal de Justiça tem, por inúmeras vezes, assinalado em suas decisões que deveria haver eventual fundada suspeita para uma abordagem policial. Em um primeiro momento, poderíamos concluir que se trata, tão somente, de um erro conceitual, mas se a análise se aprofundar, perceber-se-á que a inobservância desses conceitos pode acarretar importante prejuízo prático policial.

Quando a decisão é publicada, as redes sociais e a imprensa em geral, recebem a informação e não se furtam em propagá-la. Não são raros os casos em que é divulgado ipsis literis as palavras conferidas na ementa da decisão e, nestas, também não são raros os casos em que a decisão denota que determinada conduta não caracteriza fundada suspeita para a abordagem policial.

A publicação, informada dessa forma, induz o leitor leigo a acreditar que toda e qualquer abordagem policial deve estar amparada sob a fundada suspeita. Com isso, muitas são as abordagens em verificação preventiva, sem o emprego da busca pessoal, em que o abordado inicia discussão com o agente estatal, exigindo que seja apontada qual seria a fundada suspeita para a realização daquela abordagem. Há, ainda, os casos de abordados que, firmes naquilo que leram em páginas de redes sociais ou sites de notícias, fazem denúncias às ouvidorias e órgãos de controle externo da atividade policial, alegando não haver a tal fundada suspeita para a abordagem, em casos claros de que o denunciante foi levado a erro por equívocos publicados pela mídia.

De modo ainda mais preocupante, é possível constatar o receio por parte dos agentes policiais, incumbidos na missão de preservar a ordem e atuar na prevenção, os quais também obtém acesso a determinadas decisões pelos mesmos meios que o cidadão comum e, ora por falta de conhecimento ou mesmo por má interpretação, ora por não buscar o inteiro teor da decisão, passam a deixar de realizar abordagens de fiscalização e no contexto de polícia preventiva, visando evitar responder administrativa e criminalmente, mesmo atuando no cumprimento do dever legal, culminando assim em natural aumento das infrações de trânsito e crimes diversos.

Em suma, e por derradeiro, se faz necessário a observância minuciosa quando da aplicação de tais institutos, pois os prejuízos são consideráveis, progressivos e silenciosos, o que atrapalha não somente o trabalho das polícias, que são prejudicadas pela cada vez mais presente insegurança jurídica, mas principalmente pela população, que vê o crime aumentar dia após dia e sofre diretamente o impacto de decisões que aniquilam a força policial na atuação preventiva.

Se, de um lado, os órgãos policiais precisam se adequar aos entendimentos da Corte Cidadã, de outro, determinados instrumentos/institutos utilizados pelas polícias precisam ser observados com cautela, sob pena de enfraquecê-los a ponto de impossibilitar, a longo prazo, qualquer atuação preventiva no país.

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[1] Bacharel em Direito. Universidade Comunitária da Região de Chapecó. Policial Militar (PMSC).

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    Como citar este texto

    FOUREAUX, Rodrigo. Justa Causa para Abordagem Policial e Busca Pessoal. CJPol, Brasília/DF. Disponível em: <https://cjpol.com.br/artigos/justa-causa-para-abordagem-policial-e-busca-pessoal/>. Acesso em: 01/09/2025.