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A polícia pode conduzir a vítima à força para a Delegacia após a prisão em flagrante delito do agressor?

Rodrigo Foureaux Situações de violência doméstica são parte da rotina das forças policiais em todo o Brasil. É comum que, ao atender uma ocorrência, os policiais se deparem com a resistência da vítima em ir até a delegacia ou formalizar a denúncia contra o agressor. Nessas horas, surge a dúvida prática e jurídica: o que o policial pode ou deve fazer quando a vítima não quer ir para a delegacia? A resposta exige cautela, pois uma conduta mal orientada pode gerar responsabilização funcional, administrativa ou até criminal para o próprio agente. Ainda que a intenção do policial seja proteger a vítima, ações precipitadas, como levá-la à força sem ordem judicial, podem configurar abuso de autoridade ou revitimização, prejudicando não só o caso em questão, mas também a credibilidade da atuação policial. Este texto busca esclarecer, com base na legislação vigente e em entendimentos jurisprudenciais, quais são os limites e deveres da atuação policial diante da recusa da vítima em colaborar com a investigação, sempre priorizando a proteção da mulher e o respeito aos direitos humanos. A realidade da violência doméstica no Brasil A violência doméstica contra a mulher continua sendo uma das mais graves e persistentes violações de direitos humanos […]

O advogado pode acompanhar a lavratura do BO e acessá-lo mesmo sem o policial militar ter encerrado?

Rodrigo Foureaux O boletim de ocorrência (BO) é um documento administrativo de natureza informativa, produzido unilateralmente pelo policial. Embora sua elaboração seja importante para formalizar os fatos iniciais de uma ocorrência, ele não se confunde com elemento de prova, tampouco com procedimento investigatório formal. Nos termos do art. 7º, inciso XXI, da Lei 8.906/1994, é direito do advogado assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração apresentar razões e quesitos. O inciso XIII, por sua vez, diz que é direito do advogado examinar, em qualquer órgão da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos. A Súmula Vinculante 14 estabelece que o defensor tem direito de acesso aos elementos de prova já formalmente documentados nos autos da investigação, e não ao que ainda está sendo produzido.  O BO, antes de ser encerrado e formalmente registrado, não constitui um “documento […]

A boleia do caminhão e a busca policial

Rodrigo Foureaux[1] O policial pode dar buscas, sem mandado, na boleia do caminhão? Caso o policial adentre na cabine, sem mandado, haverá crime de violação de domicílio? E caso haja arma de fogo irregular dentro da boleia, haverá porte ou posse de arma de fogo? A boleia do caminhão é a cabine do caminhão, em que o motorista dirige e também descansa. Na parte traseira do interior da boleia há um espaço para que os motoristas descansem, durmam e façam do caminhão seu local de repouso, em razão das longas viagens, ocasião em que levam consigo objetos de uso pessoal. As respostas às perguntas perpassam pelo conceito de casa. A boleia do caminhão é considerada casa? O conceito de casa não é fechado e para fins de proteção constitucional (art. 5º, XI) deve ser interpretado de forma ampla.[2] Com efeito, o art. 5º, XI, da Constituição Federal assegura que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. O art. 150, §§ 4º e 5º, do Código Penal (art. 226, §§ 4º e 5º, do […]

O policial pode prestar depoimento de forma sigilosa, com alteração da voz e com touca? (testemunha anônima e testemunha “sem rosto”)

A testemunha anônima ou “sem rosto” é aquela que possui seus dados – nome, identidade, imagem, endereço e outros que permitam a identificação – preservados quando de sua audição em juízo ou em inquérito. A finalidade da preservação dos dados é dar segurança à testemunha e prevenir a ocorrência de ameaças, coações, agressões ou homicídio contra as testemunhas ou pessoas próximas, de forma que possa falar livremente toda a verdade. Sempre que a testemunha alegar ameaças, coações ou fundado temor, o juiz, delegado ou encarregado do IPM deverá adotar providências que visem resguardar a identidade da testemunha, de acordo com a seriedade e gravidade das alegações, o que deve ser analisado caso a caso. A Convenção de Palermo – Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional -, que foi positivada no Brasil a partir de 15 de março de 2004, consoante o Decreto 5.015, prevê no art. 24 a adoção de medidas que visem proteger as testemunhas e seus familiares. Essas medidas são o fornecimento de novo domicílio e impossibilidade de divulgação de informações relativas à identidade e paradeiro da testemunha e o estabelecimento de normas que permitam que as testemunhas possam depor através de meios técnicos de […]

O policial pode ler o depoimento prestado na Delegacia, durante a audiência em juízo, antes de se iniciar a tomada de depoimento?

Não raras vezes, as testemunhas arroladas pelo Ministério Público para serem ouvidas em juízo já foram ouvidas durante o inquérito policial ou no auto de prisão em flagrante. Inclusive, é do inquérito policial ou do auto de prisão em flagrante que o Ministério Público, comumente, arrola as testemunhas que prestarão depoimento em juízo. Em se tratando de policiais, por participarem, no dia a dia, de inúmeras ocorrências, inclusive, semelhantes, é natural que não venham a se recordar dos fatos quando são ouvidos em juízo, salvo se em determinada ocorrência tiver acontecido um fato marcante ou alguma circunstância que faça que o policial não a esqueça. Outrossim, pode ocorrer do policial não se lembrar em razão do tempo decorrido entre a ocorrência policial e a audiência de instrução. Com isso, nas audiências, após o juiz ou Ministério Público explicar do que se trata a denúncia e o policial dizer que não se recorda, o próprio policial realiza a leitura do depoimento prestado anteriormente na Delegacia. Ou, então, o juiz ou o Ministério Público realizam a leitura e perguntam se recorda, sendo que muitas vezes o policial confirma o depoimento, em razão da assinatura aposta quando foi ouvido no inquérito ou no […]

A aplicação do depoimento especial para vítimas de violência sexual maiores de 18 anos

O modelo tradicional e previsto no Código de Processo Penal (art. 201) de se ouvir as vítimas nos casos de crimes contra a dignidade sexual, merece reflexões. O direito está em constante evolução e aperfeiçoamento. Antigamente crianças e adolescentes eram ouvidas em juízo da mesma forma que os adultos, sendo as normas processuais que disciplinavam o depoimento de crianças e adolescentes, as mesmas aplicadas para os adultos, o que foi alterado, mediante lei, com o advento da Lei n. 13.431, de 04 de abril de 2017, em que pese ter se tornado uma prática comum no Brasil antes mesmo da edição de uma lei específica, sendo recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça[1] em 2010 a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Atualmente, a Resolução n. 299, de 05 de novembro de 2019, do CNJ, dispõe sobre o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, de que trata a Lei n 13.431, de 4 de abril de 2017. O depoimento especial de crianças e adolescentes iniciou-se no Brasil em 2003, em uma Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre.   O […]

O uso da farda ou uniforme pelo policial réu no plenário do júri e pelos policiais que assistem ao júri

Rodrigo Foureaux[1] O uso de roupas pelo réu no plenário do júri é um tema de suma importância, na medida em que a imagem do réu pode colaborar para o julgamento dos jurados. O Superior Tribunal de Justiça[2] já decidiu que o réu preso possui o direito a usar roupas próprias no plenário do júri. Com efeito, a plenitude de defesa é assegurada no tribunal do júri (art. 5º, XXXVIII, “a”, da CF), o que significa que a defesa pode se utilizar de argumentos que vão além do direito – argumentos não jurídicos – como fundamentos religiosos, emocionais, morais, filosóficos, políticos, inclusive argumentos que possam influenciar os jurados sob o ponto de vista da imagem, da estética, o que inclui o direito da própria defesa decidir como o réu vai se trajar no dia do julgamento em plenário. A imagem do réu é tão importante para o julgamento em plenário que o art. 474, § 3º, do Código de Processo Penal dispõe que “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física […]

A prática de violência policial no momento da prisão em flagrante resulta em nulidade da prisão e das provas em desfavor do acusado?

Fato Os policiais militares relataram que o indivíduo foi visto eles segurando uma arma de fogo (Pistola Bersa, Calibre 9mm, com 12 munições), o qual percebeu a chegada da viatura e jogou a arma no chão e se rendeu. Na justiça os policiais disseram que o abordado não ofereceu resistência, o indivíduo negou a autoria da arma de fogo e alegou ter sido agredido durante a abordagem, com chute no rosto, sendo confirmado no exame de corpo de delito a lesão apontada pelo abordado. Em primeira instância a juíza absolveu; em segunda instância o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro condenou e o STJ restabeleceu a decisão de primeira instância, absolvendo.   Fundamentos da decisão do STJ[1] A prova do delito de porte ilegal de arma está umbilicalmente ligada ao flagrante eivado de nulidade, em decorrência da violência policial realizada, sendo o testemunho do policial que realizou as agressões o único meio de prova do crime imputado. Assim, não se pode negar que os elementos de informação relativos ao crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido encontram-se contaminados pela nulidade decorrente da agressão, constatada por meio de laudo de exame de integridade física, […]

Tiro nas Costas e Tiro pelas Costas: Análise Técnica e Jurídica da distinção que pode definir a vida funcional de um policial

Introdução A atividade policial é marcada por decisões tomadas em frações de segundo. Nessas situações, um único disparo pode salvar vidas ou conduzir o agente à perda da liberdade, da carreira e da dignidade. No centro dessa tensão, encontra-se uma distinção pouco compreendida, mas juridicamente crucial: a diferença entre o tiro nas costas e o tiro pelas costas. Embora a semelhança verbal entre as expressões induza à confusão, trata-se de conceitos distintos e que produzem efeitos jurídicos radicalmente diferentes. O primeiro pode revelar uma reação legítima diante de ameaça real; o segundo, uma ação desproporcional e surpreendente, que pode configurar homicídio qualificado. Neste texto, analisa-se tecnicamente essa diferença, à luz de parâmetros jurídicos, elementos da criminalística e da medicina legal, além de decisão judicial, demonstrando que não é o ponto de impacto que define a licitude do ato, mas o contexto da ação e as evidências técnicas que a cercam. 1. A importância da distinção: aspectos jurídicos essenciais O Código Penal, em seu art. 121, §2º, inciso IV, prevê a qualificadora do homicídio cometido mediante recurso que dificulte a defesa da vítima. No campo prático, essa qualificadora é frequentemente debatida quando o disparo atinge a região posterior do corpo, principalmente, […]

O preenchimento da data de nascimento do adolescente infrator no Boletim de Ocorrência

SÍNTESE O Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte teste jurídica, de observância obrigatória pelos juízes e tribunais (art. 927, III, do CPC). Para ensejar a aplicação de causa de aumento de pena prevista no art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006 ou a condenação pela prática do crime previsto no art. 244-B da Lei n. 8.069/1990, a qualificação do menor, constante do boletim de ocorrência, deve trazer dados indicativos de consulta a documento hábil – como o número do documento de identidade, do CPF ou de outro registro formal, tal como a certidão de nascimento. STJ – ProAfR no REsp 1.619.265-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 07/04/2020, DJe 18/05/2020 (Informativo 671) Após o estudo do julgado do Superior Tribunal de Justiça e aprofundamentos realizados por este autor, chegou-se às seguintes conclusões: a) O policial, ao registrar Boletim de Ocorrência em razão da prática do crime de corrupção de menor (art. 244-B da Lei 8.069/90) ou um dos crimes previstos entre os arts. 33 e 37 da Lei n. 11.343/06, como o tráfico de drogas, que envolva menor, não deverá constar a data de nascimento do adolescente no Boletim de Ocorrência somente em razão […]

A abordagem policial a travestis, transexuais, gays, lésbicas, bissexuais, intersexuais, agênero, andrógeno, gênero fluido e a atuação policial quando forem impedidos de usarem banheiro de acesso público de acordo com a identidade de gênero

SÍNTESE   Os tópicos a seguir apresentados constituem apenas uma apertada síntese de um tema tão complexo e polêmico, razão pela qual é recomendável a leitura de todo o texto antes de extrair conclusões.   Fundamentos:   •       Art. 249 do Código de Processo Penal •       Art. 3º, IV e art. 5, I, VI, VIII e XLI, ambos da Constituição Federal •       Art. 1º, item “i”, e art. 24, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos •       Art. 2º, “1” e art. 26, ambos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos •       Princípios de Yogyakarta •       Cartilha de Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade da SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública •       Provimento n. 188 de 04/12/2024, do Conselho Nacional de Justiça •       Resolução n. 12/2015 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República •       Portaria nº 7/2018 do Ministério Público da União •       Decreto n. 47.148/2017 de Minas Gerais •       Resolução n. 18/2018 da Secretaria do Estado de Segurança Pública de Minas Gerais •       Decisão do Supremo Tribunal Federal na ADO 26/DF e MI 4733/DF; •       Recurso Extraordinário n. 845.779 (pendente de julgamento – já julgou) •       Mandado de […]

É necessário que o policial tenha o mandado de prisão em mãos para cumpri-lo? Pode cumprir mandado de prisão de outro estado sem que tenha sido expedida carta precatória para o cumprimento?

Rodrigo Foureaux Durante a atividade policial, não é incomum que os policiais realizem abordagem em via pública e ao consultar o prontuário do abordado pelo sistema da polícia verifica que há um mandado de prisão em aberto. Pode ocorrer também do policial conhecer o agente e saber que há contra ele um mandado de prisão pendente de cumprimento. Às vezes o mandado foi expedido por um juiz de outro estado. Nessas situações, em que o policial não possui em mãos o mandado de prisão, poderá efetuar a prisão sem exibir o mandado, ainda que tenha sido expedido por juiz de outro estado? O Código de Processo Penal dispõe que “se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia” (art. 287). Isso porque os crimes inafiançáveis, em tese, são mais graves e o legislador ponderou que nessas situações não seria razoável deixar de efetuar a prisão em detrimento da falta de exibição do mandado de prisão. São crimes inafiançáveis a prática de racismo; tortura; tráfico ilícito de drogas; terrorismo; os hediondos; as […]

A liberação de drogas apreendidas pela polícia para o treinamento de cães policiais

 Rodrigo Foureaux O fornecimento de drogas para o canil da Polícia Militar é importante para o treino e adestramento de cães. Não raras vezes os cães são utilizados para localizarem drogas ilícitas (cão farejador) em matos, aeroportos e em qualquer local que seja viável a utilização do cão, sobretudo quando a droga for de difícil localização pelo próprio policial, como a hipótese em que a droga estiver enterrada em um terreno. Nesse sentido, as instituições policiais que possuam canis devem ter acesso a drogas ilícitas para que os cães policiais possam ser devidamente treinados e atuarem com êxito no combate ao tráfico de drogas. Não se desconhece que a utilização do método NOSE MP, que possui micromoléculas de odor real, atende suficientemente ao treinamento de cães. Ocorre que o treinamento com drogas ilícitas simulará situações reais, além de não haver dispêndios para o Estado. Não há no ordenamento jurídico previsão específica que autorize a utilização de drogas apreendidas em ocorrências policiais no treinamento de cães, o que, no entanto, não impede que as drogas sejam destinadas para esse fim, em razão dos argumentos a seguir articulados. O Projeto de Lei n. 4.450, de 2012, visava alterar a Lei 11. 343/06 […]

O policial como testemunha

A testemunha é aquela pessoa chamada a depor em juízo ou perante autoridade pública acerca de fatos relevantes que tenha conhecimento, seja porque viu, ouviu, sentiu ou que, de alguma forma, tenha conhecimento das circunstâncias, seja pelo fato de ter participado diretamente ou ainda que por ouvir dizer. Na atividade operacional é comum que os próprios policiais que participaram da ocorrência sejam chamados a depor. Isso porque, muitas vezes, são os primeiros, quando não únicos, a terem contato com o fato criminoso. O Código de Processo Penal Comum e Militar dispõem que toda pessoa poderá ser testemunha (art. 202 do CPP e 351 do CPPM) e o depoimento em juízo é considerado serviço público (art. 463 do CPC). Em que pese o Código de Processo Civil mencionar o depoimento em juízo, pois se trata de lei que regulamenta o procedimento judicial, todo e qualquer depoimento prestado por policiais, seja em processos judiciais ou administrativos, deve ser considerado serviço público, em razão do interesse da sociedade que norteia esses processos. Portanto, sempre que os policiais encontrarem-se prestando depoimento, em juízo ou não, devem ser considerados em serviço para todos os efeitos. Trata-se de um desdobramento de um ato em serviço. O […]

Reconhecimento de pessoas e por fotografia pelo policial militar na rua

O reconhecimento de pessoas no processo penal brasileiro passou por um amadurecimento jurisprudencial e normativo que exige, hoje, rigor metodológico e conhecimento científico por parte dos operadores da segurança pública. A atuação policial, seja na rua ou na delegacia, deve estar alinhada ao art. 226 do CPP, à jurisprudência do STF e do STJ e à Resolução n. 484/2022 do CNJ. O uso inadequado dessa técnica tem potencial para gerar prisões injustas, com base em provas contaminadas ou irrepetíveis. Por isso, o reconhecimento deve ser compreendido não apenas como uma etapa da investigação, mas como um procedimento complexo que exige preparação, cautela e conformidade com normas legais e científicas. 1. Distinção entre tipos de reconhecimento O reconhecimento pode ser realizado de diversas formas, sendo as principais o show-up e o lineup. Essas modalidades trazem riscos diferentes e demandam cuidados distintos. Show-up: é o reconhecimento imediato e isolado do suspeito, geralmente feito na rua logo após o crime. Embora seja permitido em situações excepcionais nos EUA (para rápida liberação de inocentes), no Brasil o STJ tem reiteradamente considerado o procedimento de altíssimo risco, propenso a erro, e, por isso, deve ser evitado. Quando inevitável, deve ser documentado com extremo cuidado, sendo […]

Busca Pessoal, Tirocínio Policial e Ciência Aplicada: O que disse o STF no AgRg no HC 253.675/SP?

Rodrigo Foureaux A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal enfrentou um tema sensível e recorrente na atividade policial e no processo penal: a legalidade da busca pessoal fundamentada no chamado tirocínio policial. A decisão foi proferida no Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 253.675/SP, julgado pela Segunda Turma do STF, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em 12 de maio de 2025. O debate gira em torno de um ponto central: até que ponto a intuição policial — fruto da experiência e do conhecimento prático — pode justificar a abordagem e a busca pessoal de um cidadão? 1. O Caso Concreto O agente foi condenado a 5 anos e 10 meses de reclusão, além de multa, pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/2006). A defesa alegou que a busca pessoal que originou a prisão teria sido ilegal, fundamentada exclusivamente em denúncia anônima e intuição policial, sem outros elementos concretos que configurassem a fundada suspeita exigida pelo ordenamento jurídico. O STF, por decisão unânime, não conheceu do agravo regimental, manteve os atos processuais anteriores e validou a legalidade da abordagem. 2. Quais Elementos Validaram a Busca Pessoal? A atuação policial foi legítima, estando fundamentada em […]

A Obrigatoriedade do Exame de Corpo de Delito ou de Avaliação Médica de preso pela Polícia Militar na rua: Fundamentação Jurídica e Relevância Operacional

Rodrigo Foureaux Não há, no ordenamento jurídico, previsão expressa que imponha ao policial militar o dever legal de conduzir o preso, antes da apresentação na delegacia, para a realização de exame de corpo de delito ou avaliação médica. Entretanto, diversos dispositivos legais e normativos asseguram a integridade física e moral da pessoa custodiada e, de forma indireta, fundamentam a adoção dessa prática como medida de cautela e proteção jurídica tanto ao custodiado quanto aos agentes públicos envolvidos na prisão. O artigo 158 do Código de Processo Penal (CPP) dispõe que, “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Portanto, sempre que houver vestígios visíveis de violência, o exame pericial é obrigatório. O artigo 6º, inciso VII, do CPP, estabelece que cabe ao delegado de polícia determinar, se for o caso, “que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias”. Por sua vez, a Resolução nº 213/2015 do CNJ, que trata da audiência de custódia, reforça a necessidade de verificação da integridade física do preso. O artigo 1º, § 11, inciso II, prevê expressamente a obrigatoriedade de exame de corpo de […]

A Abordagem Policial à Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA): Aspectos Técnicos, Operacionais e Neurocientíficos

  Rodrigo Foureaux Bia Foureaux[1] Resumo O presente texto analisa os aspectos técnicos, operacionais e neurocientíficos da abordagem policial à pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), tendo em vista os dados recentes do Censo Demográfico 2022, que identificou 2,4 milhões de pessoas autistas no Brasil. A partir das evidências científicas sobre as características do TEA e da análise prática das interações em contextos de abordagem, busca-se fornecer orientações seguras, eficientes e respeitosas para os profissionais de segurança pública, garantindo legalidade, dignidade e efetividade nas ações. Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Abordagem Policial; Neurodivergência; Direitos Humanos; Segurança Pública.  1. Introdução O Censo Demográfico de 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2024, revelou a existência de 2,4 milhões de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil (IBGE, 2024). Este dado representa um avanço na compreensão da diversidade neurobiológica da população brasileira e, por consequência, impõe desafios e responsabilidades às instituições públicas, sobretudo às forças de segurança, que lidam cotidianamente com a diversidade humana em situações críticas. A abordagem policial, que tradicionalmente se ancora em técnicas de imposição verbal, gestual e, em situações extremas, de uso progressivo da força, deve ser adaptada ao atendimento […]

Abordado não sai de dentro do carro: o policial pode arrombar a porta? Há crime de desobediência?

1. Introdução  No exercício da atividade policial, não é incomum deparar-se com situações em que condutores abordados se recusam a abrir o veículo ou a permitir a realização de busca pessoal ou veicular. Diante disso, surge a dúvida recorrente: essa recusa configura crime? E o policial pode abrir o veículo à força? 2. Recusar é Crime? Depende!  → Quando há fundada suspeita Se o policial realiza a abordagem com fundada suspeita — seja de porte de arma, drogas, objetos ilícitos ou conexão direta com a prática de crime —, a recusa do abordado em permitir a busca pessoal ou veicular pode configurar crime de desobediência, previsto no art. 330 do Código Penal. Precedente relevante: TJDFT – Processo nº 0706299-30.2021.8.07.0006 Neste caso, o Tribunal reconheceu que configura desobediência a recusa em se submeter à busca pessoal diante da suspeita de que o abordado portava arma de fogo que teria sido utilizada em roubo cometido nas proximidades. Além da recusa verbal, o abordado adotou comportamento agressivo, o que reforçou a fundada suspeita. A decisão confirmou que, diante de tais circunstâncias, a recusa é sim criminosa. → Tese 1.060 do STJ: “Configura o crime de desobediência (art. 330 do CP) a conduta de desobedecer ordem […]

A lavratura de termo circunstanciado de ocorrência pelo Poder Judiciário na hipótese do art. 28 da Lei n. 11.343/06 (porte de drogas para consumo pessoal)

SÍNTESE O tema é polêmico e ainda está no campo dos debates de qual será a postura adotada pelo Poder Judiciário e pelas instituições policiais em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI n. 3807, razão pela qual recomendo a leitura de todo o texto antes de extrair qualquer conclusão.   Fundamentos   Art. 93, XIV, da Constituição Federal Arts. 28 e 48 da Lei n. 11.343/06 Art. 203, § 4º, do Código de Processo Civil Art. 72 da Lei n. 9.099/95 Art. 3º da Resolução n. 71/09 do Conselho Nacional de Justiça Art. 3º do Decreto-Lei n. 911/69 STF – ADI 3807 STF – ADI 5647 STF – Reclamação n. 22470 Enunciado 34 do FONAJE Enunciado n. 12 da Edição n. 131 da Jurisprudência em Teses do STJ Nota Técnica da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL (ADI 3807)     Palavras-chaves: termo circunstanciado de ocorrência; atribuição para lavratura do termo circunstanciado; ratio decidendi; obter dictum;  eficácia vinculativa do precedente; teoria da transcendência dos motivos; jurisprudência defensiva; plantão judicial; juízo competente; autoridade policial, usuário de drogas.     Síntese             a) A Polícia Militar pode continuar lavrando termo circunstanciado de ocorrência na rua, […]