Acesso não autorizado ao celular do cônjuge: limites da privacidade conjugal e consequências penais
Rodrigo Foureaux O avanço da tecnologia e o uso massivo de dispositivos móveis trouxeram novos desafios ao Direito, especialmente no tocante à proteção da intimidade no ambiente doméstico. Em tempos em que o celular se tornou a extensão da vida pessoal, profissional e emocional do indivíduo, a pergunta ganha relevância: é crime acessar o celular do cônjuge sem autorização? A resposta, embora envolva nuances da convivência íntima, é clara à luz do ordenamento jurídico: sim, pode configurar crime, nos termos do art. 154-A do Código Penal. A Constituição Federal, no art. 5º, inciso X, consagra o direito fundamental à intimidade e à vida privada, assegurando proteção contra qualquer forma de violação. Esse direito é personalíssimo e não se extingue com o casamento, a união estável ou o namoro. O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), por sua vez, reforça essa proteção no ambiente digital, dispondo em seu art. 7º, I, que o usuário da internet tem direito à inviolabilidade de sua intimidade, com indenização em caso de violação. Assim, mesmo em relações íntimas e contínuas, a privacidade individual subsiste como limite à interferência do outro, inclusive quando se trata do uso de dispositivos informáticos. A redação atual do art. […]
Imunidade Profissional do Advogado, Desacato e os Efeitos da ADI 7231 no Estatuto da OAB
O Supremo Tribunal Federal, em sessão encerrada em 14 de junho de 2025, julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 7231, proposta em razão de vício formal no processo legislativo da Lei nº 14.365/2022. A referida norma havia promovido a revogação dos §§ 1º e 2º do art. 7º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994), dispositivos que tratavam de importantes prerrogativas da advocacia, especialmente no que diz respeito ao acesso aos autos e à imunidade profissional no exercício da atividade. A decisão do STF reconheceu que não houve deliberação parlamentar sobre a revogação dos dispositivos mencionados, o que comprometeu o devido processo legislativo. O erro foi identificado pelas próprias Casas Legislativas e pela Presidência da República, que, apesar de oficiadas, não promoveram a correção adequada. Em razão disso, a Corte julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade formal do art. 2º da Lei nº 14.365/2022, exclusivamente no ponto em que revoga os §§ 1º e 2º do art. 7º do Estatuto da Advocacia. Assim, esses dispositivos voltam a ter vigência. Dentre os dispositivos restabelecidos, o § 2º do art. 7º dispunha sobre a imunidade profissional do advogado, prevendo que não constituem injúria, difamação ou desacato puníveis quaisquer manifestações […]
O médico que atua fora de sua área de especialização pratica crime de exercício ilegal da medicina?
Fundamentos • Art. 5º, XII, da Constituição Federal • Arts. 121, § § 3º e 4º, 171, 282 e 299, todos do Código Penal • Arts. 2º, 4º, 5º e 6º, todos da Lei n. 12.842/13 • Arts. 1º, 17 e 18, ambos da Lei n. 3.268/1957 • Art. 1º do Decreto n. 44.045/58 • Resolução CFM n. 2.070/2014 • Parecer CFM n. 25/1995 • Parecer CFM n. 08/1996 • Parecer CFM n. 17/2014 • Parecer CFM n. 21/10 • Parecer CFM n. 09/16 • Parecer do CRM/SE n. 001/2019 • Art. 1º, V, do Decreto-Lei n. 4.113/1942 • Art. 114 do Código de Ética Médica • Art. 1º da Lei n. 6.932/81 • Art. 1º do Decreto n. 80.281/77 • Resolução CFM n. 2.221/2018. • Norma Regulamentadora 4, aprovada pela Portaria n. 3.214/1978 do Ministério do Trabalho, com a redação dada pela Portaria n. 11/90. • STF – HC 95078 • STJ. RHC 81451 • STJ – RHC: 115089 • STJ – HC 143.172 • STJ – REsp 1385814 • Demografia Médica no Brasil Síntese: A doutrina majoritária sustenta que o médico que atua em área diversa da qual se especializou pratica o crime de exercício ilegal […]
Crime de desobediência praticado por pessoa que não obedece à ordem do oficial de justiça de mandado de entrega de veículo e (im)possibilidade da polícia recolher a depósito veículo que possui restrição de circulação.
O indivíduo, na qualidade de depositário, que não obedece a ordem do oficial de justiça para que entregue veículo com mandado de busca e apreensão expedido por juízo cível pratica o crime de desobediência (art.330 do CP). STF – HC 169417/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 28.4.2020. (Informativo 975) Após o estudo do julgado do Supremo Tribunal Federal e aprofundamentos realizados por este autor, chegou-se às seguintes conclusões: a) O indivíduo que, na qualidade de depositário, não obedece a ordem de oficial de justiça para que entregue veículo com mandado de busca e apreensão pratica o crime de desobediência, seja o mandado decorrente de processo cível ou criminal; b) O devedor fiduciante que não entrega o veículo para o oficial de justiça, que possui mandado de busca e apreensão, por este não ter encontrado o veículo ou pelo fato do bem não estar na posse do devedor, não pratica crime de desobediência; c) O devedor fiduciante que não entrega o veículo para o oficial de justiça, após este ter visualizado o veículo e determinado a entrega, contudo o devedor esconde ou foge com o carro, pratica o crime de desobediência; […]
Porte de arma branca configura infração penal?
Rodrigo Foureaux O Supremo Tribunal Federal no Tema 857 (ARE 901623), em 04/10/2024, fixou a seguinte tese: O art. 19 da Lei de Contravenções Penais permanece válido e aplicável ao porte de arma branca, cuja potencialidade lesiva deve ser aferida com base nas circunstâncias do caso concreto, incluindo o elemento subjetivo do agente. O conceito do art. 19 da LCP prevê o seguinte: Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade: Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente. O policial militar que atua na rua, por vezes, encontra dificuldade em definir se vai apreender o objeto e lavrar TCO, nos locais em que lavra, ou conduzir à Delegacia para a lavratura do TCO, em razão da prática de contravenção penal prevista no art. 19 da LCP. Isso porque não existe uma definição legal do que seja “arma branca” e havia a discussão se essa contravenção penal depende da edição de ator normativo pelo Poder Executivo para definir os casos em que pode haver licença para o porte de arma branca. Essa questão […]
O ato de correção dos filhos pelos pais mediante a utilização de agressões
Rodrigo Foureaux Em regra, é proibida a utilização de agressões físicas ou verbais no ato dos pais corrigirem os filhos, não sendo proibida a utilização de palmadas em desfavor dos filhos, desde que não cause sofrimento físico ou lesões. O Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe que haja em desfavor de crianças e adolescentes castigos físicos e tratamento cruel ou degradante, como forma de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, ainda que seja pelos pais ou qualquer integrante da família (art. 18-A). Essa vedação ocorreu com a Lei 13.010/14[1], mais conhecida como Lei Menino Bernardo ou Lei da Palmada. Castigo físico é toda ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em sofrimento físico ou lesão (art. 18-A, parágrafo único, I, do ECA). Tratamento cruel ou degradante é toda conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que humilhe ou ameace gravemente ou que ridicularize (art. 18-A, parágrafo único, II, do ECA). O Código Civil veda o castigo imoderado em desfavor do filho, podendo o pai ou a mãe perder o poder familiar, por decisão judicial (art. 1.638 do CC). […]
Tiro nas Costas e Tiro pelas Costas: Análise Técnica e Jurídica da distinção que pode definir a vida funcional de um policial
Introdução A atividade policial é marcada por decisões tomadas em frações de segundo. Nessas situações, um único disparo pode salvar vidas ou conduzir o agente à perda da liberdade, da carreira e da dignidade. No centro dessa tensão, encontra-se uma distinção pouco compreendida, mas juridicamente crucial: a diferença entre o tiro nas costas e o tiro pelas costas. Embora a semelhança verbal entre as expressões induza à confusão, trata-se de conceitos distintos e que produzem efeitos jurídicos radicalmente diferentes. O primeiro pode revelar uma reação legítima diante de ameaça real; o segundo, uma ação desproporcional e surpreendente, que pode configurar homicídio qualificado. Neste texto, analisa-se tecnicamente essa diferença, à luz de parâmetros jurídicos, elementos da criminalística e da medicina legal, além de decisão judicial, demonstrando que não é o ponto de impacto que define a licitude do ato, mas o contexto da ação e as evidências técnicas que a cercam. 1. A importância da distinção: aspectos jurídicos essenciais O Código Penal, em seu art. 121, §2º, inciso IV, prevê a qualificadora do homicídio cometido mediante recurso que dificulte a defesa da vítima. No campo prático, essa qualificadora é frequentemente debatida quando o disparo atinge a região posterior do corpo, principalmente, […]
A guarda de filhos e as consequências do descumprimento do acordo ou decisão judicial que regula a visita
Rodrigo Foureaux[1] No tocante à guarda de filhos, a regra é que o pai e a mãe, quando separados ou divorciados, tenham acesso ao filho, conforme acordo estipulado, homologado judicialmente ou não, ou decisão judicial, na impossibilidade de acordo. O art. 229 da Constituição Federal assegura que “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” O art. 1.589 do Código Civil dispõe que “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.” O art. 22 do ECA preconiza que “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.” O Código Civil, por sua vez, assegura competir aos pais, qualquer que seja a situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: a) dirigir-lhes a criação e a educação; b) exercer a guarda […]
Há crime nessa conduta de danificar o próprio veículo apreendido/removido pela polícia?
Como ocorre a destruição de coisa própria, neste caso, não há crime no ato de destruir o próprio veículo. O crime de dano previsto no art. 163 do Código Penal exige que a destruição seja de coisa alheia. É possível que em algum caso a destruição de coisa própria seja crime? Sim, o art. 346 do Código Penal prevê como crime destruir ou danificar coisa própria que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção (acordo, contrato). Ex.1: juiz determina e penhora de um bem (veículo, televisão etc.) que é penhorado e vai para o depósito enquanto aguarda o leilão. O dono do bem entra no depósito e danifica o próprio bem. (Por determinação judicial). Ex.2: uma pessoa aluga um veículo que se recusa a devolver, por ainda estar no prazo, e o proprietário danifica o veículo, inviabilizando o seu uso. (Por convenção) Então, nunca haverá crime após a polícia apreender/remover um veículo e o dono danificá-lo? Depende da forma de destruição. Se for por chutes, socos, pauladas etc., não será crime; se for por incêndio, haverá o crime previsto no art. 250 do CP, se houver exposição a perigo a vida, a integridade física ou o […]
Motorista que desobedece à ordem do policial para que um veículo pare, pratica crime de desobediência e infração de trânsito?
Rodrigo Foureaux A ordem policial para que um veículo pare pode ser emanada pelo policial na condição de agente de trânsito (art. 280, § 4º, do CTB) ou no exercício das funções de polícia ostensiva e preservação da ordem pública (art. 144, § 5º, da CF). Nas hipóteses em que leis de conteúdo extrapenal trouxerem previsões de sanções civis e/ou administrativas, sem previsão de responsabilização criminal para o descumprimento de ordem da autoridade, não haverá o crime de desobediência, por ser o direito penal a ultima ratio e em razão da intervenção mínima do direito criminal. Trata-se de uma construção doutrinária e jurisprudencial. Quando a própria lei já impõe consequências cíveis e administrativas, sem ressalvar a possibilidade da responsabilização criminal, é porque o legislador já entendeu que aquelas punições, por si sós, são suficientes para atingirem o caráter preventivo e sancionador da conduta ilícita, razão pela qual não se deve invocar o direito penal, que possui caráter subsidiário no tocante à aplicação de punições, por poder atingir um direito fundamental de elevada importância, a liberdade. Em se tratando de atuação policial, enquanto agente de trânsito, o Código de Trânsito Brasileiro prevê a infração de desobediência à ordem de trânsito, que […]
Composse de armas de fogo
Rodrigo Foureaux A composse de armas de fogo ocorre quando uma única arma pode ser atribuída a mais de uma pessoa. Não existe, legalmente, essa possibilidade no Brasil, pois o porte de arma de fogo é pessoal e intransferível, nos termos do art. 48 do Decreto n. 11.615/2023, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento – Lei n. 10.826/03 – para dispor sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Art. 17. O porte de arma de fogo é pessoal, intransferível e revogável a qualquer tempo e será válido apenas em relação à arma nele especificada e com a apresentação do documento de identificação do portador. Ocorre que apesar na impossibilidade jurídica, na prática pode ocorrer de haver mais de uma pessoa numa situação em que há somente uma arma de fogo e, a depender da análise do caso concreto, o porte ilegal poderá ser atribuído a ambos. O crime de posse/porte ilegal de arma de fogo (arts. 12 e 14, ambos da Lei 10.826/03)[1] é crime de mão própria, razão […]
Requisição e apresentação do policial. Consequências da ausência de comparecimento em juízo e para ser ouvido em inquérito
Rodrigo Foureaux Em se tratando de policiais e servidores públicos, a forma de intimação para comparecimento em juízo ou para ser ouvido em inquérito policial ou outro procedimento, segue diretriz diversa da regra para as demais testemunhas que são intimadas diretamente por oficial de justiça no processo penal, e pelo próprio advogado, como regra, no processo civil. Nos processos criminais que tramitam na Justiça Comum e Militar, os militares devem ser intimados por intermédio dos Comandantes ou de autoridade superior responsável por realizar a intimação, como o chefe da Seção de Recursos Humanos de um Batalhão (art. 221, § 2º, do CPP e art. 349 do CPPM). Não é necessário que o Oficial de Justiça intime o Comandante, diretamente, sendo suficiente que a intimação seja entregue para quem o represente, como o secretário ou um militar na Seção de Recursos Humanos, que aporá a assinatura na intimação, na medida em que estes são responsáveis, via de regra, por receberem documentos destinados ao Comandante com o fim, inclusive, de realizarem um controle e assessorá-lo. Em se tratando de policiais civis, federais e penais, o Código de Processo Penal prevê que a intimação ocorrerá diretamente ao policial (art. 221, § 3º, c/c […]
Distinções entre o crime de roubo (art. 157 do CP) e o crime de extorsão (art. 158 do CP)
Crime de roubo Crime de extorsão Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa. Os crimes de roubo e extorsão possuem semelhanças, são crimes contra o patrimônio, ambos envolvem violência ou grave ameaça para a obtenção de vantagem econômica indevida e possuem as mesmas penas, contudo apresentam diversas diferenças. A primeira distinção reside no verbo núcleo do tipo que no roubo é “subtrair” e na extorsão é “constranger”. Subtrair significa retirar, tomar. Constranger significa coagir, subjugar, forçar uma pessoa a adotar determinado comportamento Ao subtrair um bem, o agente toma, retira à força de determinada pessoa, independentemente, da colaboração da vítima. Logo, esta pode, mediante violência ou grave ameaça, entregar o bem ou o agente retirar-lhe o bem que o crime […]
A (des)necessidade de autorização judicial para a realização de aborto autorizado pela lei
Comentários ao art. 128, I e II, do Código Penal Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Caso o policial seja acionado em razão da realização de aborto nos casos permitidos em lei, sem autorização judicial, deverá prender os envolvidos no ato de aborto? O aborto é a interrupção da gravidez, de forma que cause a morte do produto da concepção (embrião ou feto). O art. 128 do Código Penal traz as hipóteses de aborto legal ou permitido. São causas especiais de exclusão da ilicitude. São duas as hipóteses permitidas pelo Código Penal: a) aborto necessário ou terapêutico (art. 128, I); b) aborto sentimental, humanitário, ético ou piedoso (art. 128, II). Seja qual for a modalidade de aborto legal, somente o médico pode realizá-lo, conforme dispõe o art. 128, caput, ao enunciar que “não se pune o aborto praticado por médico.” a) aborto necessário ou terapêutico (art. 128, […]
Crimes patrimoniais praticados contra as mulheres. O autor do crime deve ser preso e punido?
Rodrigo Foureaux O Código Penal prevê no art. 181, I, que os cônjuges, durante o casamento, caso pratiquem crimes patrimoniais, uns contra os outros, são isentos de pena. Trata-se de imunidade penal absoluta, chamada também por outros nomes, como escusa absolutória. Escusa no sentido de desculpa, de justificativa. Portanto, se um cônjuge furta o celular do outro, não pode ser punido. Há crime, mas não é possível haver instauração do inquérito policial e muito menos do processo penal. O crime existe, mas não há qualquer possibilidade do agente que praticou o crime ser punido. O legislador optou, por questões de política criminal, em uma ponderação de valores, por valorizar as relações familiares, sendo que essas questões podem ser resolvidas “em casa”, sem a presença do Estado, mormente para impor uma condenação penal que poderá vir a piorar as relações familiares. Nesses casos pode ser necessário tratamento e apoio psicológico, e não uma sentença penal condenatória. Caso a Polícia Militar seja acionada e seja comprovado na hora que se trata de um crime contra o patrimônio praticado no âmbito de uma relação familiar, a regra é que o agente que praticou o crime não seja conduzido à Delegacia. A condução somente […]
A aquisição irregular de colete balístico e a responsabilidade penal pela morte do militar
Rodrigo Foureaux O Fantástico noticiou denúncia de suposta corrupção em desfavor de Oficiais do Exército no tocante ao recebimento de propina para autorizar a fabricação e a venda de produtos que não protegem como deveriam, como o colete balístico (o popular “colete à prova de balas”). Em decorrência disso um policial foi vítima de homicídio, pois a munição perfurou o colete utilizado pelo policial. A pergunta é: os Oficiais do Exército que autorizaram a liberação do colete de forma irregular, cientes disso, respondem pelo homicídio ocorrido? Tenho que se trata de uma “concausa superveniente relativamente independente, que não produziu, por si só, o resultado”. Explico. – A causa está relacionada à concausas (mais de uma causa que soma para o resultado). Veja: a liberação irregular do colete (primeira causa). O disparo efetuado pelo infrator que perfurou o colete e causou o homicídio (segunda causa). Ou seja, são duas causas que se somam e recebem o nome de concausas. – As concausas podem ser absoluta ou relativamente independentes. São absolutamente independentes quando a causa que realmente originou o resultado não está relacionada com a causa concorrente. Ex.: Tício envenena João às 20:00 horas. João morre às 21:00 horas vítima de um […]
O tráfico de drogas próximo a igrejas e a incidência de causa de aumento de pena
Não incide a causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 em caso de tráfico de drogas cometido nas dependências ou nas imediações de igreja, por ser vedada a analogia in malam partem. STJ – HC 528.851-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 12/05/2020. (Informativo 671) Cuidado! O Superior Tribunal de Justiça possui julgado em que afirma incidir a causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei n. 11.343/2006 quando o tráfico ocorre nas dependências ou imediações de igreja[1], pois o objetivo da lei é proteger espaços que promovam a aglomeração de pessoas, circunstância que facilita a ação criminosa, vejamos: O que isso impacta na atividade policial? Na atividade policial, em que pese o fato do agente traficar próximo a igrejas ou em suas dependências, em um primeiro momento, parecer não ser relevante para a fixação da pena, em razão da divergência apresentada, é importante o registro detalhado em ocorrência não só para que a polícia possa mapear na região em que atua a forma de agir dos agentes do tráfico (modus operandi) e, consequentemente, planejar a atuação policial […]
Responsabilização do policial pelas acusações feitas no inquérito e em juízo
O policial, como testemunha, tem o dever de falar a verdade, seja para incriminar ou inocentar o acusado. A verdade é uma obrigação e o policial estará no estrito cumprimento do dever legal. Da verdade, não pode advir nenhuma consequência para o policial, salvo se violar o dever legal de sigilo. Na hipótese em que o policial falsear a verdade ou omiti-la, responderá pelo crime de falso testemunho previsto no art. 342 do Código Penal, caso o inquérito ou processo ocorra na Justiça Comum; ou pelo art. 346 do Código Penal Militar, caso o inquérito ou processo tramite na Justiça Militar. Caso a mentira do policial, em razão da função, dê causa à instauração de inquérito policial ou processo judicial, comum ou militar, responderá pelo crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CP ou art. 343 do CPM). Nos casos de flagrante forjado, que consiste em criar uma situação de crime para que um inocente seja preso, como inserir drogas ou armas em veículo de terceiros e dar voz de prisão, haverá a prática do crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CP ou art. 343 do CPM). Eventuais mentiras reiteradas em juízo devem ser tidas como desdobramento do crime […]
Mão à cintura durante abordagem policial: legítima defesa, erro de tipo e os limites da reação sob estresse
Introdução Durante uma abordagem policial, um gesto aparentemente simples pode mudar completamente o rumo de uma ocorrência. É o caso da clássica situação em que o abordado, ao ver a viatura ou receber ordens da polícia, leva a mão à cintura. Esse movimento, que pode ter motivos banais, também pode sinalizar o início de uma agressão armada contra os policiais. Como agir? A dúvida é legítima e dramática: o policial pode disparar? Está protegido juridicamente? E se o suspeito não estiver armado? Este texto enfrenta essas questões sob três eixos: jurídico, neurocientífico e prático-operacional, explorando a figura da legítima defesa putativa, o erro de tipo essencial escusável, e destacando precedentes importantes da jurisprudência. A análise também considera a neurobiologia da tomada de decisão sob estresse, fundamental para compreender a realidade da atividade policial. 1. O gesto automatizado e a necessidade de cautela É importante reconhecer que o ato de levar a mão à cintura é, muitas vezes, um comportamento automatizado, enraizado nos hábitos cotidianos. A pessoa pode estar pegando o celular, que acabou de vibrar no bolso; pode estar ajustando a calça ou alcançando um objeto inofensivo. Muitas vezes, sequer percebe o risco que esse gesto representa para quem está […]
A apreensão de várias armas de fogo no mesmo contexto fático caracteriza crime único ou vários crimes?
Rodrigo Foureaux Para fins de classificação do crime de porte/posse ilegal de arma de fogo, esta subdivide-se em arma de fogo de uso permitido, de uso restrito e proibido. O Decreto n. 11.615 de 2023, conceituam arma de fogo e suas espécies (art. 2º, I a XV). Arma de fogo de uso permitido Arma de fogo de uso restrito Arma de fogo de uso proibido a) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; a) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; a) as armas de fogo classificadas de uso proibido em acordos e tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja signatária; b) portáteis de alma lisa; b) não portáteis; b) as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos. c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a […]