Obrigatoriedade do Serviço Militar para Concluintes de MDFV Dispensados por Excesso de Contingente: Interpretação da Lei nº 12.336/2010 à Luz do Tema 418/STJ e Seus Reflexos no Crime Militar de Insubmissão (Art. 183 do CPM)

1. Introdução A prestação do serviço militar obrigatório por profissionais concluintes dos cursos superiores de Medicina, Odontologia, Farmácia ou Medicina Veterinária (MDFV) tem sido objeto de intensos debates jurídicos, sobretudo após a Lei nº 12.336/2010, que alterou substancialmente o art. 4º da Lei nº 5.292/1967 (Lei do Serviço Militar dos MDFV). A jurisprudência do STJ, especialmente pelo Tema 418, foi decisiva para definir o alcance dessa alteração normativa. Disposição original da Lei nº 5.292/1967 (Lei do Serviço Militar dos MDFV) Art. 4º (redação original) “Os MDFV que, como estudantes, tenham obtido adiamento de incorporação até a terminação do respectivo curso prestarão o serviço militar inicial obrigatório, no ano seguinte ao da referida terminação (…).” § 2º – MDFV portadores de CDI/Reservista de 3ª Categoria, ao concluírem o curso, ficavam sujeitos ao serviço militar. Essa redação continha ambiguidade normativa, pois, embora o caput limitasse a obrigatoriedade àqueles que obtiveram adiamento de incorporação, o § 2º estendia tal obrigação também aos que foram dispensados e receberam o Certificado de Dispensa de Incorporação (CDI). O STJ resolveu essa antinomia adotando o entendimento de que prevalecia a regra do caput, por ser mais específica e coerente com o princípio da isonomia. Assim, ficou pacificado […]

A prática de trote e o consentimento do ofendido no meio militar

Rodrigo Foureaux e Luiz Paulo Spinola O consentimento do ofendido consiste na autorização válida da vítima para que determinada conduta seja praticada, retirando-lhe o caráter típico ou ilícito, a depender da presença ou não do consentimento no tipo penal. Quando o consentimento incide sobre o objeto jurídico protegido pela norma penal, e tal bem é disponível, poderá atuar como causa supralegal de exclusão da ilicitude (Ex.: lesão corporal). Caso recaia sobre o elemento do tipo penal, exclui-se a própria tipicidade da conduta (Ex.: estupro). Como causa supralegal de exclusão da ilicitude, o consentimento não está expressamente previsto no Código Penal comum nem no Código Penal Militar (CPM), mas é amplamente reconhecido pela doutrina penal. A doutrina majoritária estabelece critérios rígidos para a validade do consentimento, sendo eles: Disponibilidade do bem jurídico: apenas bens disponíveis podem ser objeto de consentimento válido (v.g., integridade física em grau leve, imagem, honra subjetiva em certos contextos). Bens indisponíveis, como a vida, a dignidade sexual de vulneráveis ou, no contexto militar, a hierarquia e disciplina, não admitem renúncia voluntária. Capacidade da vítima: é necessário que o ofendido seja plenamente capaz, ou seja, tenha 18 anos completos e não sofra de enfermidade que comprometa sua capacidade […]

A conduta do policial militar que ilegalmente age com violência na abordagem policial, não gerando lesão corporal, é criminosa?

Imaginemos a situação hipotética: Alfa e Bravo, policiais militares, estão realizando patrulhamento motorizado e decidem abordar o transeunte Charlie que apresentou nervosismo ao avistar a viatura. Charlie obedeceu a todas as ordens de Alfa e Bravo e não ofereceu qualquer resistência durante a abordagem. Todavia, Alfa e Bravo de forma arbitrária e truculenta ficaram nervosos por não encontrar nada de ilícito em poder de Charlie e desferiram um soco no corpo de Charlie. Durante a ação a viatura do Comandante do Policiamento passava pelo local, visualizou a ação e prendeu Alfa e Bravo em flagrante delito. Charlie, em seguida, fora submetido a exame de corpo de delito, todavia não fora constatada lesão corporal. Nos autos do IPM fora juntada imagens da câmara de segurança de estabelecimento comercial defronte ao local dos fatos que captou perfeitamente toda a dinâmica dos fatos, inclusive a gravação de áudio. Diante dessa situação hipotética, passaremos a discutir sobre a subsunção típico penal da conduta praticada por Alfa e Bravo. Na vigência da antiga Lei de Abuso de Autoridade (Lei n. 4.898/1965) a doutrina penal comum, aponta Rogério Sanches que esse era o entendimento de Gilberto e Vladimir Passos de Freitas, Damásio de Jesus e Julio […]

A federalização de crimes militares

A federalização de crimes graves contra os direitos humanos é um instituto previsto no art. 109, § 5º, da Constituição Federal, em razão do advento da Emenda Constitucional n. 45/2004. Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) Trata-se de um Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), que atende ao previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao exigir que os Estados-partes adotem medidas legislativas ou de outra natureza, que forem necessárias para tornarem efetivos os direitos assegurados na Convenção, como a promoção dos Direitos Humanos.1 O Incidente de Deslocamento de Competência tem por objetivo deslocar a competência de um inquérito ou processo para a Justiça Federal, nas hipóteses […]

O Acordo de Não Persecução Penal na Justiça Militar¹

Rodrigo Foureaux[2] Luiz Paulo Spinola[3] O Acordo de Não Persecução Penal – ANPP – visa a não propositura de ação penal pelo Ministério Público, desde que preenchidos os requisitos previstos em lei. No Brasil, o Acordo de Não Persecução Penal, inicialmente, foi previsto na Resolução n. 181, de 07 de agosto de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público,  no art. 18, § 12, que vedava a aplicação do acordo nos casos de crimes militares que afetassem a disciplina e hierarquia.[4] Com o advento da Lei Anticrime – Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019 – o Código de Processo Penal, no art. 28-A, passou a prever o ANPP, nos seguintes termos: Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II – renunciar voluntariamente a bens e […]

Juiz de primeira instância pode condenar militares estaduais que sejam praças à perda do cargo público?

Rodrigo Foureaux[1] Luiz Paulo Spinola[2] Este texto concentra-se na análise da decretação da perda do cargo das praças por juiz de primeira instância, uma vez que a perda do cargo de oficiais já foi analisada no texto “A impossibilidade de juízes condenarem Oficiais das Instituições Militares à perda do posto e da patente”. A hierarquia dos militares estaduais subdivide-se em oficiais e praças (art. 12 da Lei Orgânica das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, Lei n. 14.751/2023). A hierarquia militar é a ordenação em postos e graduações dentro da estrutura das Instituições Militares. Posto é o grau hierárquico dos oficiais, que em âmbito estadual, é conferido pelo Governador do Estado. Graduação é o grau hierárquico das praças que, em âmbito estadual, geralmente, é conferido pelo Comandante-Geral. Os oficiais são: Oficiais superiores: a) Coronel; b) Tenente-Coronel; c) Major; Oficial intermediário: d) Capitão; Oficiais subalternos: e) 1º Tenente e f) 2º Tenente.[3] As praças são: Praças especiais: a) Aspirante a Oficial; b) Cadete; c) Aluno-Oficial;[4] Praças: d) Subtenente; e) 1º Sargento; f) 2º Sargento; g) 3º Sargento; h) Aluno-Sargento; i) Cabo; j) Soldado e k) Aluno-Soldado[5] No Art. 8º, § 2º, “b” e “c”, do Decreto-Lei n. 667/69 os […]

A Lei Antifeminicídio (Lei n. 14.994/2024) e os efeitos da condenação no Direito Penal Militar

Rodrigo Foureaux[1] Luiz Paulo Spinola[2]  Introdução A Lei n. 14.994/2024 denominada de Lei Antifeminicídio ou Pacote Antifeminicídio é uma lei que alterou diversos dispositivos no Código Penal; Código de Processo Penal; Lei dos Crimes Hediondos; Lei Maria da Penha; Lei das Contravenções Penais e Lei das Execuções Penais, visando a ampla proteção da Lei Penal à mulher. A referida lei não fez qualquer alteração no Código Penal Militar e Código de Processo Penal Militar. Diante disso surgem discussões sobre as implicações na seara penal militar, em especial no tocante aos efeitos da condenação decorrente da alteração ocorrida no art. 92 do Código Penal comum. (In)aplicabilidade no Direito Penal Militar O primeiro tema será sobre sua aplicabilidade na seara penal castrense em razão da ausência de alteração ou inclusão da Lei Antifeminicídio no Código Penal Militar. A primeira posição, a qual nos filiamos, sustenta que por se tratar de medidas gravosas ao réu e não previstas no CPM, aplicar as medidas decorrentes da Lei n. 14.994/2024 violaria o princípio da legalidade e eventual analogia seria em prejuízo do réu (in malam partem), o que não impede a aplicação dos crimes militares por extensão/extravagantes. Segue-se a mesma linha doutrinária castrense[3] que defende […]

Com o Serviço Militar Inicial Feminino (SMIF) as mulheres passaram a ser sujeito ativo do crime militar de insubmissão?

Rodrigo Foureaux[1] Luiz Paulo Spinola[2] O crime militar de insubmissão previsto no art. 183 do Código Penal Militar tem como sujeito ativo o convocado à incorporação ou que se ausenta antes do ato oficial de incorporação no serviço militar obrigatório quais sejam: o Serviço Militar Inicial previsto no art. 5º da Lei do Serviço Militar (Lei n. 4.375) e o Serviço Militar dos Médicos; Dentistas; Farmacêuticos; Veterinários previsto no art. 1º da Lei do Serviço Militar do MDFV (Lei n. 5.292/1967). As mulheres são isentas do serviço militar obrigatório em tempo de paz (art. 143, § 2º, da CF; art. 2º, §2º, da Lei n. 4.375/1964; art. 5º, Lei n. 8.239/1991; art. 1º, §3º, da Lei n. 5.292/1967). O Decreto n. 12.154/2024 autorizou o Serviço Militar Inicial Feminino na forma da Lei do Serviço Militar (Lei n. 4.375/1964) e Regulamento da Lei do Serviço Militar (Lei n. 4.375/1964), inclusive com a obrigatoriedade do Serviço Militar Inicial Feminino em caso de incorporação à luz do art. 10, o qual já expusemos nosso entendimento de sua inconstitucionalidade ou até mesmo ilegalidade em nosso artigo publicado recentemente no Observatório da Justiça Militar Estadual[3]. Art. 10. A partir do ato oficial de incorporação, o […]

A (in)constitucionalidade ou (i)legalidade do serviço militar inicial feminino obrigatório após o ingresso voluntário

Rodrigo Foureaux[1] Luiz Paulo Spinola[2] Com o objetivo de ampliar o acesso da mulher às Forças Armadas, observar a igualdade/equidade de gênero e aproveitar o potencial das mulheres, o Presidente da República editou o Decreto n. 12.154/2024 que prevê a possibilidade de a jovem ingressar nas Forças Armadas pelo Serviço Militar Inicial (SMI) na forma da Lei do Serviço Militar (Lei n. 4.375/1964) e Regulamento a Lei do Serviço Militar (Lei n. 4.375/1964). Apesar de louvável o mérito e objetivo do Decreto n. 12.154/2024 entendemos que o art. 10 é inconstitucional ou ilegal. O Decreto n. 12.154/2024 em seu art. 10 prevê que a partir do ato oficial de incorporação da jovem, o SMIF se tornará de cumprimento obrigatório. Art. 10. A partir do ato oficial de incorporação, o serviço militar inicial feminino se tornará de cumprimento obrigatório, e a militar ficará sujeita aos direitos, aos deveres e às penalidades, nos termos do disposto na Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964, e no Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966. Pela literalidade do art. 10 do Decreto n. 12.154/2024 a mulher não poderá pedir “baixa” do serviço militar pelo período de cumprimento obrigatório, nos termos […]

Resposta à acusação na Justiça Militar

Rodrigo Foureaux[1] Luiz Paulo Spinola[2] 1. Introdução   Na Justiça Militar prevalece a impossibilidade da resposta à acusação, em razão do princípio da especialidade do rito próprio no Código de Processo Penal Militar, apesar de entendimento doutrinário em sentido diverso. Recentemente, o pleno do Supremo Tribunal Federal no RHC 142608[3], em sede de controle difuso de constitucionalidade, decidiu que deve ser aplicada a reposta à acusação prevista nos arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal no processo penal militar: Recurso ordinário em habeas corpus. Crime de corrupção ativa militar (CPM, art. 309). Competência da Justiça Militar (CPM, art. 9º, inciso III, alínea a). Pretendida aplicação subsidiária dos arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal ao processo penal militar. Viabilidade jurídica do pedido. Precedentes. Resolução, nos termos da assentada do julgamento, do caso concreto: aplicação dos citados dispositivos do CPP ao processo militar, mantendo-se a decisão de recebimento da denúncia, porém anulando-se os atos processuais subsequentes e determinando-se ao Juízo Militar que oportunize ao recorrente a apresentação de resposta à acusação com fundamento nos mencionados preceitos processuais. Modulação, nos termos do voto médio, dos efeitos da decisão: a partir da publicação da ata de sessão deste julgamento, […]