O que é bom senso no uso da força policial?
Rodrigo Foureaux A Portaria MJSP nº 855/2025, que estabelece diretrizes para o uso da força pelos agentes de segurança pública, prevê expressamente no inciso V do art. 6º que: “a força deve ser empregada com BOM SENSO, prudência e equilíbrio, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, com vistas a atingir um objetivo legítimo da aplicação da lei;” Afinal de contas, o que é bom senso no dia a dia? No dia a dia, quando falamos que alguém teve “bom senso”, geralmente estamos reconhecendo uma atitude equilibrada, prudente e razoável diante de uma situação concreta. É aquela decisão que parece naturalmente certa, porque leva em conta o contexto e evita exageros. O bom senso está presente em atitudes simples: Um motorista que diminui a velocidade ao ver uma criança atravessando a rua. Uma pessoa que, mesmo com razão no trânsito, evita uma briga ao perceber que o outro motorista está exaltado. Um colega de trabalho que evita fazer uma piada em um momento inadequado. • Uma pessoa que escuta antes de reagir em uma discussão. Um cliente que desiste de discutir com o atendente por entender que ele não tem culpa do problema. Trata-se da capacidade prática de perceber […]
O advogado pode acompanhar a lavratura do BO e acessá-lo mesmo sem o policial militar ter encerrado?
Rodrigo Foureaux O boletim de ocorrência (BO) é um documento administrativo de natureza informativa, produzido unilateralmente pelo policial. Embora sua elaboração seja importante para formalizar os fatos iniciais de uma ocorrência, ele não se confunde com elemento de prova, tampouco com procedimento investigatório formal. Nos termos do art. 7º, inciso XXI, da Lei 8.906/1994, é direito do advogado assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração apresentar razões e quesitos. O inciso XIII, por sua vez, diz que é direito do advogado examinar, em qualquer órgão da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos. A Súmula Vinculante 14 estabelece que o defensor tem direito de acesso aos elementos de prova já formalmente documentados nos autos da investigação, e não ao que ainda está sendo produzido. O BO, antes de ser encerrado e formalmente registrado, não constitui um “documento […]
O que é o sniper e por que visa na região da cabeça do infrator?
Rodrigo Foureaux Introdução A imagem do sniper, também conhecido como atirador de elite, costuma ser envolta em mistérios e estigmas. Em obras de ficção, o sniper é frequentemente retratado como um executor frio, posicionado à distância e pronto para “eliminar” seus alvos com precisão milimétrica. No entanto, na realidade, a função do sniper é profundamente técnica, regulada por critérios operacionais, legais e éticos. Em cenários críticos, sua atuação pode significar a diferença entre a vida e a morte de um inocente. Este texto tem como objetivo explicar o papel do sniper em situações com reféns sob risco iminente, detalhando por que, nesses casos, a região da cabeça costuma ser o ponto visado e por que essa decisão segue critérios rigorosos de segurança, proporcionalidade e legalidade. O papel do sniper: muito além do disparo O sniper é um operador altamente treinado, com formação tática e psicológica acima da média. Ele não atua sozinho nem decide por conta própria quando ou onde intervir. Toda sua atuação é subordinada a um comando técnico, geralmente chefiado por um oficial experiente, que é responsável por reunir todas as informações táticas e tomar decisões conforme os princípios do uso diferenciado da força. A atuação de atiradores […]
Tomada de Decisão sob Estresse na Atividade Policial: A Influência do Treinamento na Preservação da Racionalidade Operacional e a Corresponsabilidade Institucional
Rodrigo Foureaux Bia Foureaux[1] Resumo O presente texto aborda, sob a perspectiva da neurociência aplicada, como o estresse extremo influencia a tomada de decisão na atividade policial. Discute-se como situações de risco iminente ativam mecanismos neurofisiológicos que reduzem a capacidade racional, priorizando respostas automáticas de sobrevivência. Em contrapartida, demonstra-se, com base na literatura científica, que o treinamento constante, realista e exaustivo tem a capacidade de mitigar os efeitos do estresse sobre o cérebro, favorecendo respostas técnicas, controladas e eficazes. O texto também propõe uma reflexão crítica sobre a corresponsabilidade das instituições de segurança pública, que, muitas vezes, não oferecem treinamento adequado e, posteriormente, punem seus agentes por respostas operacionais condicionadas por esse déficit formativo. Palavras-chave: Estresse; Neurociência; Tomada de decisão; Polícia; Treinamento; Responsabilidade institucional. Introdução A atividade policial frequentemente expõe seus profissionais a situações de elevado risco, nas quais a tomada de decisão precisa ocorrer em frações de segundo e sob condições fisiológicas adversas. Diante de um cenário de ameaça iminente, como um confronto armado, o cérebro humano aciona sistemas neurobiológicos cuja função primordial é garantir a sobrevivência. Contudo, esse mesmo mecanismo, essencial à autopreservação, compromete a capacidade de realizar julgamentos racionais, favorecendo reações instintivas, muitas vezes desconectadas da […]
O policial deve atirar na perna antes de disparar na região do tronco?
A atuação policial em situações de confronto armado ou de ameaça iminente à vida exige, além de coragem e preparo, decisões técnicas tomadas em frações de segundo. Entre as muitas incompreensões populares sobre o uso da força letal, talvez a mais recorrente seja a indagação: “Por que o policial não atirou na perna?”. Embora aparentemente razoável aos olhos de quem não vivencia o risco real, essa pergunta revela desconhecimento técnico, jurídico e fisiológico sobre o tema. Este texto se propõe a esclarecer, com base na Portaria do Ministro da Justiça nº 855/2025, nos manuais técnicos das forças policiais e nos princípios que regem o uso da força, os motivos pelos quais essa conduta não é recomendada — e, em regra, coloca em risco ainda maior o policial, a vítima e terceiros inocentes. Fundamentos legais e técnicos do uso da força A Portaria MJSP nº 855/2025, que estabelece diretrizes para o uso proporcional da força pelas forças de segurança pública, determina que o policial deve empregar os meios necessários e adequados à gravidade da ameaça, sempre em observância aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência. O uso da força letal é autorizado quando estritamente necessário para proteger a vida […]
Segurança Pública
Leonardo Araújo – Previsão legal e a amplitude do tema O artigo 144 da Constituição Federal preleciona: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio… A Constituição Federal apresenta um capítulo específico para tratar do assunto estudado, entretanto, apesar da importância, ela o aborda de maneira genérica, sem definir, inclusive, um valor mínimo de investimento na área, como faz em importantes setores de atuação pública, tais como saúde e educação. Fica a dúvida se os constituintes assim quiseram ou se não imaginariam que, em apenas 30 anos, enfrentaríamos crise tão grave no setor. Neste importante artigo, começamos a destacar o trecho “responsabilidade de todos”. Apesar de positivo e de extrema clareza, na prática, o imaginário popular entende que a eficiência deste direito fundamental se resume à atuação policial, recaindo sempre nela a cobrança por resultados na prestação do serviço público e a consequente redução da violência aos agentes operacionais, que estão na linha de frente no combate à criminalidade ou no atendimento de ocorrências junto ao grande público. Grande equívoco é achar que segurança pública se faz somente com […]
Sistema jurídico policial brasileiro
Leonardo Araújo Gramaticalmente falando, qualquer sistema presume integração das partes em busca de um resultado comum. Este assunto, como todos os outros relacionados à segurança pública, apresenta grande complexidade. O objetivo do trabalho não é tecer críticas a qualquer instituição legalmente constituída, mas demonstrar os problemas desse sistema que, comprovadamente, não se mostra eficiente na prestação deste importante e fundamental serviço público. O conteúdo é extenso, mas esse breve introito se faz necessário para a contextualização, definindo funções institucionais, bem como o amparo jurídico de órgãos e instituições participantes, fazendo como linha doutrinária proposta a correlação fundamental entre teoria e prática. Em primeira análise, devemos entender que não existe por parte da Constituição hierarquização, muito menos grau de importância entre os órgãos integrantes do sistema. Entretanto, alguns gestores públicos, como de costume, distorcem tal entendimento, criando ruídos entre os órgãos e as instituições, empenhando diferentes valores de investimento, seja na questão salarial ou de infraestrutura, criando um descompasso entre as instituições públicas, que impacta diretamente na qualidade da prestação de serviço à sociedade. Poder representa investimento; investimento representa salário; e salário é status. Enquanto as instituições disputam benefícios e alimentam as fogueiras das vaidades, o criminoso avança. Sendo essa assertiva […]
Aspectos constitucionais, direito e garantias fundamentais
Leonardo Araújo A Constituição Federal de 1988, conhecida como a constituição cidadã, trouxe importantes garantias para toda a sociedade brasileira. O Estado Democrático de Direito é uma conquista irrevogável, e o papel do policial como homem da Lei é de extrema importância para a manutenção dessas garantias. Tecnicamente, a Carta Magna deve tratar de assuntos fundamentais do Estado, usando linguagem direta, evitando a massificação de termos técnicos e jurídicos, buscando o entendimento do homem médio, seja ele policial ou não. A análise histórica é fundamental para entendermos alguns conceitos jurídicos atuais e algumas práticas formalizadas por julgados dos tribunais superiores, com repercussão geral, que afeta diretamente a atividade policial. O constitucionalismo é a forma de legitimação do Estado pela supremacia do interesse público, estando a Constituição Federal no topo do ordenamento jurídico e servindo de padrão para todo o regramento social, em todos os ramos do Direito, ou seja, se o policial estiver na dúvida, é necessário que busque esclarecimento na lei suprema e em suas interpretações. A interpretação de princípios constitucionais torna-se a direção dos julgados. A ruptura com o padrão positivista, caracterizado pela premissa “vale o que está escrito”, foi reflexo de mudanças ocorridas no mundo pós Segunda […]
Aspectos penais
Leonardo Araújo – Art. 13 – Ações e omissões e seus reflexos no Direito Penal Relação de Causalidade Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Superveniência de causa independente 1º – A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. Relevância da omissão 2º – A omissão é penalmente relevante quando o emitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. O artigo 13, no caput, trata da relação de causa e efeito, ou seja, a minha ação ou omissão deve ter sido fundamental para o acontecimento do delito. Para responder pelo crime, tenho que ter agido, realizando a conduta típica ou me omitindo, existindo a previsão legal do crime. Já no parágrafo segundo, do mesmo artigo, surge […]
Aspectos penais (parte especial)
Leonardo Araújo Na parte especial do Código Penal, iniciada pelo artigo 121, estão positivados os crimes comuns, sendo identificadas as condutas incriminadoras com suas respectivas penas. O conhecimento dessa parte do dispositivo legal é fundamental na atividade operacional, permitindo que o policial diferencie a legalidade ou ilegalidade das diversas condutas humanas. Cabendo ressaltar que não se esgotam aqui todas as condutas incriminadoras, sendo necessário o estudo das leis penais especiais como atividade complementar. – 21 – Homicídio Art. 121. – Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de diminuição de pena 1º – Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado 2º – Se o homicídio é cometido: I- mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II- por motivo fútil; III- com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso […]
Legislações penais especiais
Leonardo Araújo – Lei 9.455/97 – Lei de tortura Nossas forças policiais, detentoras do uso da força legal, são constantemente acusadas de tortura, sofrendo o Brasil inúmeras punições e recomendações, inclusive de tribunais internacionais. A importância do assunto se dá pela garantia da legalidade, dever inerente aos agentes operacionais, bem como na defesa de falsas acusações, por vezes, oportunistas, denegrindo a imagem institucional dos órgãos policiais, causando inúmeros reflexos no combate à criminalidade. Art. 1º Constitui crime de tortura: O bem juridicamente tutelado, de maneira imediata, é a dignidade da pessoa humana, bem como sua integridade física e psíquica; secundariamente, a vida e até mesmo a liberdade individual, uma vez que, para o cometimento de tortura, esta sofrerá direta restrição. Como sujeito ativo, podemos ter qualquer pessoa, caracterizando a figura como crime comum. Defendo ser levado em consideração as agravantes legais especiais, relativas ao sujeito ativo, agravando a conduta se cometida por funcionário público. No tocante ao sujeito passivo, a vítima poderá ser qualquer pessoa, ressalvadas as qualificadoras de proteção especial expostas na lei. I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: O termo “violência” deve ser interpretado como força física, contato […]