
Rodrigo Foureaux
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16/08/2025 em 09:15 em resposta a: Art. 22 x Art.12 do CPM no âmbito da designação para o serviço ativo #20016
Rodrigo FoureauxAdministradorCaro Gabriel, bom dia!
Obrigado pela questão levantada. Dá uma discussão bem interessante. Para ficar bem didático vamos por tópicos.
1. Distinção central entre art. 12 e art. 22 do CPM
Art. 12 CPM: trata de militares inativos (reserva ou reformados) que, quando empregados na administração militar, são equiparados a militares da ativa para fins penais. É uma ficção jurídica, o militar não deixa de ser inativo, mas passa a ser considerado como ativo apenas para fins de responsabilização penal militar.
Art. 22 CPM: define quem é considerado militar da ativa (incorporado ou matriculado em instituição militar). Aplica-se diretamente ao vínculo ativo, não por equiparação.
2. Situação de São Paulo (Lei 17.293/2020, art. 26-A)
Aqui, conforme citado por Coimbra Neves, o inativo não sofre reversão ao serviço ativo, mas apenas é empregado em tarefas administrativas ou de segurança interna. Logo, aplica-se art. 12 CPM: equiparação pura e simples.
3. Situação de Minas Gerais (art. 136, §2º, Estatuto dos Militares de MG)
Fala expressamente em designação para o serviço ativo. Ou seja, não é mera equiparação, mas uma verdadeira reversão para condição de ativo, ainda que temporária e excepcional. Nesse caso, tecnicamente, o enquadramento deve ser feito pelo art. 22 CPM (militar da ativa em sentido próprio). O art. 12 não se aplicaria porque a norma estadual já reconduziu o militar à ativa.
4. Doutrina de Coimbra Neves citada por você
Coimbra diferencia com clareza:
PTTC ou similares (São Paulo): caso de equiparação (art. 12).
Reversão/retorno ao serviço ativo (MG, art. 136, §2º): caso de militar da ativa propriamente dito (art. 22).
Portanto, a posição doutrinária é no sentido de não misturar as duas figuras.
5. Minha opinião
No Estado de Minas Gerais, o militar da reserva remunerada que for designado para o serviço ativo, nos termos do art. 136, §2º, do Estatuto dos Militares de MG, deve ser compreendido como militar da ativa para todos os fins (art. 22 CPM), e não como equiparado pelo art. 12.
Isso porque:
a) A lei estadual utiliza a expressão “designado para o serviço ativo”, o que implica retorno ao quadro ativo;
b) A técnica legislativa distingue: emprego sem reversão → art. 12; reversão/retorno → art. 22.
c) Se enquadrássemos tal caso no art. 12, esvaziaríamos a própria previsão do art. 136, §2º, do EMEMG.
6. Conclusão
Sua leitura está correta: em Minas Gerais, a situação do “reconvocado” deve ser compreendida como militar da ativa (art. 22), e não como equiparado (art. 12). Acho que na hora de mencionar os artigos no final da pergunta inverteu, né? Em São Paulo, ao contrário, prevalece a lógica da equiparação do art. 12.
Em provas objetivas, é recomendável sempre atentar à literalidade da norma estadual:
a) Se fala em designação ao serviço ativo, art. 22.
b) Se fala em emprego na administração militar sem perda da condição de inativo, art. 12.
Mais uma vez, obrigado pela pergunta.
Grande abraço!
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Rodrigo FoureauxAdministradorA pergunta é interessante e envolve uma discussão mais aprofundada.
Nos termos do art. 10, §2º, da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), a autorização de porte de arma de fogo perde automaticamente sua eficácia caso o portador esteja embriagado ou sob efeito de substâncias psicoativas:
A Lei 10.826/03
Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm.
§2oA autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas.
O Decreto nº 11.615/2023, que regulamenta essa legislação, reforça o impedimento. O art. 51, § 2º, é categórico ao vedar a condução de arma em estado de embriaguez, drogas ou medicamentos que alterem o desempenho psicomotor ou intelectual, equiparando tal situação àquelas em que o ingresso em locais públicos com aglomeração já é vedado ao portador.
Art. 51. O titular de porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido nos termos do disposto no art. 10 da Lei nº 10.826, de 2003, não poderá conduzi-la ostensivamente ou com ela adentrar ou permanecer em locais públicos, como igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja aglomeração de pessoas em decorrência de eventos de qualquer natureza.
§2º O disposto no § 1º aplica-se na hipótese de o titular do porte de arma de fogo portar o armamento em estado de embriaguez ou sob o efeito de drogas ou de medicamentos que provoquem alteração do desempenho intelectual ou motor.
No âmbito dos Tribunais de Justiça Estaduais encontramos jurisprudência que reconhece a tipicidade da conduta de policial penal que, fora de serviço e embriagado porta arma de fogo.
No julgamento da Apelação Criminal nº 0702353-31.2022.8.07.0001, a 1ª Turma Criminal do TJDFT reconheceu a tipicidade da conduta de policial penal que, fora de serviço e embriagado, portava arma funcional e abordava civis. A Corte reafirmou que:
“O porte, embora autorizado pela condição de policial penal, perdeu automaticamente a validade por ter sido exercido em estado de embriaguez, conforme previsto no §2º do art. 10 da Lei 10.826/03”.
Na Apelação Criminal nº 5182365-54.2020.8.09.0051, o TJGO firmou entendimento de que o porte de arma de fogo por policial penal embriagado, ainda que fora do serviço e com autorização funcional, é penalmente típico:
“A embriaguez revoga automaticamente a eficácia do porte de arma, tornando a conduta penalmente relevante por expor a incolumidade pública a risco”.
O caso envolveu o agente que, em uma loja de conveniência, portava arma funcional municiada e ameaçou terceiros, embriagado, o que configurou o crime do art. 14 da Lei 10.826/03, mesmo sem disparo ou lesão — conduta de mera exposição ao risco.
Em julgamento semelhante (APL nº 0001714-20.2019.8.16.0030), a 2ª Câmara Criminal do TJPR confirmou a condenação de policial militar que, fora de serviço e embriagado, portava arma de fogo e chegou a efetuar disparos em via pública. A Corte afirmou:
“Mesmo com autorização funcional, o porte perde automaticamente a eficácia quando o agente está embriagado, tornando a conduta típica e punível”
Ante o exposto, conclui-se que a jurisprudência demonstra com clareza que o porte de arma por policial armado, sob efeito de álcool, é penalmente relevante e reprovável, independentemente de estar em serviço ou não. A autorização funcional não exime o agente das condições legais e comportamentais exigidas para a validade do porte.
Portanto, em que pese possuir autorização para o porte, entende-se que a partir do momento que o policial se embriaga armado há o crime de porte ilegal de arma de fogo.
É importante distinguir a ingestão de bebida alcoólica e o estado de embriaguez, o que é fundamental para a correta aplicação do direito penal e administrativo, especialmente no que diz respeito ao porte de arma de fogo por agentes públicos e particulares. Embora frequentemente confundidos, os dois conceitos possuem implicações jurídicas distintas, e seu tratamento exige análise técnica e contextual.
A mera ingestão de bebida alcoólica, por si só, não configura estado de embriaguez, tampouco, automaticamente, invalidaria o porte de arma. A legislação brasileira, particularmente o art. 10, §2º, da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), dispõe que a autorização de porte de arma de fogo perde automaticamente sua eficácia quando o portador é detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas. O Decreto nº 11.615/2023, que regulamenta a matéria, reforça essa previsão ao proibir expressamente o porte sob influência de qualquer substância que altere o desempenho psicomotor ou intelectual (art. 51, §2º).
Dessa forma, o ponto central da análise jurídica recai sobre a existência de efeitos concretos do álcool no comportamento e nas capacidades do agente. Ingerir uma dose moderada de álcool, sem qualquer alteração perceptível, não equivale à embriaguez, e, portanto, não invalida o porte. Por outro lado, qualquer indício de alteração cognitiva, emocional ou motora — ainda que leve — pode ser suficiente para caracterizar o estado de embriaguez e tornar o porte penalmente relevante.
A detecção da embriaguez pode se dar por diferentes meios: exame clínico, teste de alcoolemia (etilômetro), exames laboratoriais ou por elementos observáveis, como fala arrastada, desorientação, alteração no equilíbrio, odor etílico, comportamento agressivo ou desinibido, dificuldade de compreensão ou resposta.
Portanto, o que define a ilicitude penal ou administrativa não é a quantidade de álcool consumida, mas sim a alteração do estado psíquico ou físico do portador, com potencial de comprometer sua capacidade de manusear a arma com segurança. Essa diferenciação é essencial para evitar interpretações arbitrárias e garantir que a responsabilização jurídica se dê apenas quando houver real exposição da coletividade a risco concreto.
Voltando ao ponto central, a questão é que para os policiais militares deve-se aplicar a previsão em regulamento próprio da corporação que pode prever, por exemplo, uma punição administrativa, sem ser necessariamente, a suspensão automática do porte, o que afasta a regra acima exposta. Entretanto, até então os tribunais não fizeram essa distinção e aplicam o art. 10, § 2º, do Estatuto do Desarmamento, como uma norma de interpretação geral que se aplica aos mais diversos casos, em que pese, a rigor, não ser tecnicamente a melhor interpretação, já que em se tratando de instituições militares estaduais deve haver norma própria com consequências próprias.
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Rodrigo FoureauxAdministradorGiovani, obrigado pelo relato de sua experiência profissional, o que soma com os debates.
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Rodrigo FoureauxAdministradorOlá Carlos, bom dia!
Muito obrigado pela ótima pergunta.
Vamos por etapas:
1. A conduta do advogado, embora praticada dentro de uma unidade militar estadual e contra militar da ativa, configura crime militar? Ou se trata de crime comum, de competência da Justiça Comum?
A depender da condição do advogado, a resposta pode variar.
Se o advogado for civil, a conduta, ainda que praticada dentro de unidade militar estadual e contra militar da ativa, não configura crime militar, e sim crime comum, de competência da Justiça Comum Estadual. Nesse sentido, a Súmula 53 do Superior Tribunal de Justiça dispõe literalmente:
“Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais.”
Já se o advogado for militar inativo, existe divergência. Embora a orientação que prestigia a natureza civil do advogado, mesmo militar da reserva, ganhe força, o TJM/SP (Remessa Necessária Criminal n. 0800001-06.2021.9.26.0010), decidiu que o militar inativo, mesmo atuando como advogado, não está desobrigado de pautar sua conduta pelos valores deontológicos da caserna, e, portanto, pode responder por crime militar, se o fato atingir a ordem ou o respeito à instituição militar.
Respeitosamente, entende-se que essa interpretação enfraquece a isonomia entre advogados civis e advogados militares inativos, e pode violar os princípios constitucionais da indispensabilidade do advogado à administração da justiça e da inviolabilidade funcional no exercício da advocacia. A atuação do militar da reserva como advogado o coloca, funcionalmente, em condição análoga à de qualquer outro advogado, razão pela qual, se a conduta for praticada no exercício da advocacia, deve ser considerada crime comum, e não militar.
Assim, a posição mais adequada, à luz da Constituição e da Súmula 53 do STJ, é a de que a conduta é crime comum, de competência da Justiça Comum, tanto para advogados civis quanto para militares inativos. No entanto, é importante destacar que há precedente específico do TJM/SP em sentido contrário quanto ao militar inativo.
2. No caso em estudo, deve ser instaurado Inquérito Policial Militar (IPM) ou Inquérito Policial comum (IP)?
A natureza do inquérito dependerá da natureza da infração penal e da condição do autor do fato.
Se o autor da agressão for advogado civil, inclusive se estiver atuando profissionalmente no momento dos fatos, não se trata de crime militar, ainda que a vítima seja policial militar da ativa e os fatos tenham ocorrido dentro de unidade militar. Nessa hipótese, prevalece a Súmula 53 do STJ.
Logo, o fato deverá ser apurado mediante Inquérito Policial comum, instaurado pela Polícia Civil.
Por outro lado, se o autor for militar da reserva, a 2ª Câmara do TJM/SP, no julgamento da Remessa Necessária Criminal n. 0800001-06.2021.9.26.0010, entendeu que ele poderá sim responder por crime militar, ainda que no exercício da advocacia, caso sua conduta viole valores deontológicos da instituição militar ou atinja a ordem administrativa militar. Nessa hipótese, poderia ser instaurado IPM, desde que presente vínculo com a função ou com o ambiente militar protegido pela norma penal castrense.
O procedimento a ser instaurado é o Inquérito Policial comum (IP), salvo se for adotada, excepcionalmente, a orientação do TJM/SP para casos envolvendo militar inativo, hipótese em que se poderia cogitar a instauração de IPM. Contudo, essa posição deve ser vista com reservas.
3. A autoridade militar (Comandante da unidade ou Oficial de Dia) tem atribuição para lavrar o auto de prisão em flagrante e conduzir as primeiras diligências, ou essa atribuição compete exclusivamente à autoridade policial civil, ainda que os fatos tenham ocorrido dentro do quartel, contra o Militar ?
Em casos como o apresentado, em que o autor do fato é um advogado civil (ou mesmo um militar da reserva atuando como advogado), entendo que a autoridade militar não tem atribuição para lavrar auto de prisão em flagrante nem realizar diligências investigativas, ainda que os fatos tenham ocorrido dentro de um quartel e a vítima seja militar da ativa.
A função de apurar crime comum praticado por civil é exclusiva da Polícia Civil, conforme dispõe o art. 144, § 4º, da Constituição Federal. A autoridade militar pode conter o autor, preservar o local dos fatos e conduzi-lo imediatamente à Delegacia de Polícia Civil, mas não pode lavrar auto de prisão em flagrante em nome da Justiça Militar, pois não se trata de crime militar.
A atuação da autoridade militar, nesse caso, restringe-se às medidas administrativas imediatas. Portanto, a atribuição para lavrar o flagrante e instaurar o procedimento investigatório é exclusiva da Polícia Civil, mesmo com o fato ocorrido em ambiente militar.
4. Quem é, nesse caso, o responsável imediato pela lavratura do flagrante: a autoridade militar presente, o superior hierárquico da vítima ou a Delegacia de Polícia Civil?
Mesmo que o fato tenha ocorrido dentro de um quartel e envolva como vítima um policial militar da ativa, trata-se de crime comum praticado por civil (advogado), portanto, a competência para a lavratura do auto de prisão em flagrante é da autoridade policial civil (DElegado)
A autoridade militar presente (como o Oficial de Dia ou o Comandante da unidade) pode conter o autor e conduzi-lo até a Delegacia, mas não pode lavrar o flagrante, pois não se trata de crime militar.
5. A vítima (militar estadual) pode, ela própria, conduzir o autor à Delegacia? E há previsão legal para tal conduta?
Sim, o policial militar, mesmo sendo a vítima do crime, pode conduzir o autor até a Delegacia de Polícia Civil. Essa conduta é legítima e, na prática, bastante comum em ocorrências de rua, quando policiais são desacatados, ameaçados ou agredidos durante o serviço. Nessas situações, é frequente que o próprio policial, ao conter o agressor, realize a condução imediata ao Delegado. O mesmo raciocínio se aplica ao caso ocorrido dentro do quartel: havendo flagrante, o militar pode agir de forma para garantir a apresentação do autor à Delegacia. A lei não exige que a vítima se afaste da ocorrência apenas por ter sido ofendida. De toda forma, por uma questão de lisura, transparência, impessoalidad, o ideal é que a condução seja feita por outro militar.
6. Como é tratada a mesma situação contra um Militar da União dentro de um quartel das FFAA?
Quando um civil comete agressão contra um militar das Forças Armadas dentro de um quartel, a situação adquire natureza militar. Isso porque o CPM e a CF não restringem a comeptência da Justiça Militar da União para julgar apenas militares, como ocorre com a JME. Pelo contrário, o art. 9º, III, do CPM, permite que o civil seja autor de crime militar. Nesse contexto, mesmo sendo civil o autor do fato, ele pode ser responsabilizado perante a Justiça Militar da União. Diante da prática de crime em flagrante, o Oficial tem atribuição para lavrar o auto de prisão em flagrante. Após a lavratura, o preso e os autos devem ser encaminhados à Justiça Militar da União, que é o juízo competente para analisar o caso.
Agradeço as perguntas.
Um abraço!
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Rodrigo FoureauxAdministradorCaro Yuri, bom dia!
Estava de férias e em viagem. Apenas agora estou vendo a sua mensagem. Esse tema é atual e bem interessante de ser discutido.
O Novo Cangaço representa uma das formas mais violentas de ação criminosa no Brasil. Trata-se de ataques planejados, geralmente dirigidos contra instituições financeiras, em que quadrilhas altamente organizadas e fortemente armadas cercam cidades pequenas ou médias, bloqueiam acessos, utilizam armamento de guerra e fazem reféns como escudos humanos, instaurando verdadeiro clima de terror.
Essas organizações criminosas atuam, majoritariamente, em cidades do interior, onde a presença do Estado é mais frágil e o efetivo policial local muitas vezes não possui recursos bélicos e táticos compatíveis com o arsenal dos criminosos. Fuzis, explosivos, drones, rádios comunicadores criptografados e veículos blindados improvisados são alguns dos instrumentos utilizados por esses grupos, que buscam subtrair vultuosas quantias de dinheiro e outros bens de valor.
Diante da situação hipotética apresentada — em que uma equipe policial bem treinada e equipada flagra a subtração ilícita em curso — a resposta precisa considerar não apenas o aspecto jurídico, mas também o elemento tático-operacional. O simples fato de presenciar o furto ou roubo (subtração) não autoriza, por si só, o uso imediato de arma de fogo. Isso porque o uso da força letal, conforme a doutrina e os manuais operacionais, deve sempre observar os princípios da necessidade, proporcionalidade e legítima defesa, nos termos do artigo 25 do Código Penal e da Lei n.º 13.060/2014.
Entretanto, no caso do Novo Cangaço, a análise não pode ser feita com base em pressupostos abstratos e descolados da realidade brutal desses eventos. A literatura policial demonstra que esses grupos atuam com extrema violência, preparados para atirar a qualquer momento contra forças policiais ou civis que ofereçam qualquer resistência ou até mesmo sem resistir. É imprevisível o próximo passo desses grupos. Não é incomum que os criminosos iniciem os confrontos armados sem qualquer aviso prévio, usando até mesmo reféns como linha de frente.
Portanto, caso a equipe policial se depare com os criminosos em pleno cometimento do crime, portando armamento de grosso calibre, em atitude de vigilância armada e dispostos a repelir qualquer intervenção, é plausível considerar que o risco concreto e iminente à vida dos policiais já está presente. Essa percepção reforça juridicamente o estado de legítima defesa, que exige uma agressão atual ou iminente, injusta, e a necessidade de reação imediata para proteger a própria vida ou a de terceiros, mas vivemos uma tremenda insegurança jurídica.
Não há uma resposta única e pré-concebida para essa situação. Cada teatro de operações terá suas peculiaridades: número de criminosos, presença de reféns, possibilidade de isolamento, topografia da região, horário e fluxo populacional. Todas essas variáveis devem ser consideradas na tomada de decisão. Mas o que deve ser destacado é que o direito penal não exige que o policial espere ser alvejado para só então reagir. O risco concreto, diante do poderio bélico e histórico de atuação desse tipo de grupo, já pode justificar uma reação antecipatória, dentro dos limites da necessidade e da razoabilidade.
Decisões posteriores, sejam administrativas ou judiciais, e até mesmo as opinões, devem ser cuidadosas para não julgar friamente, a posteriori, uma decisão tomada sob extrema pressão e em frações de segundos. O campo de batalha impõe decisões difíceis, em que hesitar pode significar morrer.
Assim, embora o ideal em qualquer operação policial seja sempre a preservação da vida, inclusive dos criminosos, o direito à legítima defesa do policial diante de uma ameaça concreta, armada e altamente violenta permanece preservado e deve ser reconhecido à luz da realidade dos fatos, e não sob o conforto da análise posterior em ambiente controlado.
Entendo que a atuação policial deve ser estratégica, técnica e fundamentada em protocolos claros, construídos com base na doutrina de enfrentamento a esse tipo específico de criminalidade organizada e de altíssimo risco.
Diante de um cenário em que os criminosos demonstram poder de fogo superior ao da média das ocorrências policiais, o enfrentamento direto só deve ocorrer quando não houver alternativa razoável e quando estiver caracterizado o risco real, atual e iminente à vida de terceiros ou dos próprios agentes públicos.
Antes disso, devem ser consideradas medidas como:
– Contenção e isolamento do perímetro urbano;
– Evacuação e proteção de civis;
– Chamamento de unidades especializadas e suporte tático pesado;
– Coleta de informações em tempo real para tomada de decisões mais seguras;
– Espera pela oportunidade de resposta tática com superioridade operacional.
E há vários outros protocolos e medidas imediatas e prévias.
Atuar de forma precipitada, sem considerar a doutrina e os protocolos, pode gerar efeito contrário ao esperado, como mortes de inocentes, baixas policiais e fortalecimento da narrativa do grupo criminoso.
Portanto, o disparo não é — e não pode ser — o centro da estratégia, mas sim um recurso extremo, amparado juridicamente pela legítima defesa e inserido dentro de um contexto operacional planejado. A prioridade deve ser sempre a interrupção do crime com o menor dano possível, e não a eliminação imediata do agressor, salvo legítima defesa.
Enfim, é uma situação extremamente complexa!
Parabéns e muito obrigado pela pergunta;
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Rodrigo FoureauxAdministradorOlá Renato, bom dia!
Excelente pergunta.
Não há, no ordenamento jurídico, previsão expressa que imponha ao policial militar o dever legal de conduzir o preso, antes da apresentação na delegacia, para a realização de exame de corpo de delito ou avaliação médica. Entretanto, diversos dispositivos legais e normativos asseguram a integridade física e moral da pessoa custodiada e, de forma indireta, fundamentam a adoção dessa prática como medida de cautela e proteção jurídica tanto ao custodiado quanto aos agentes públicos envolvidos na prisão.
O artigo 158 do Código de Processo Penal (CPP) dispõe que, “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Portanto, sempre que houver vestígios visíveis de violência, o exame pericial é obrigatório.
O artigo 6º, inciso VII, do CPP, estabelece que cabe ao delegado de polícia determinar, se for o caso, “que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias”.
A Resolução nº 213/2015 do CNJ, que trata da audiência de custódia, reforça a necessidade de verificação da integridade física do preso. O artigo 1º, § 11, inciso II, prevê expressamente a obrigatoriedade de exame de corpo de delito presencial, cujo laudo deve ser juntado aos autos antes da audiência, a fim de permitir que a autoridade judicial avalie eventuais situações de agressão ou maus-tratos.
O item 6 da mesma resolução orienta que o juiz da audiência de custódia deverá determinar a realização de novo exame de corpo de delito quando:
a) Não houver sido realizado;
b) Houver registros insuficientes;
c) Surgirem indícios de que maus-tratos ocorreram após a realização do primeiro exame;
d) O exame anterior tiver sido realizado na presença de agente de segurança.
A Resolução nº 562/2024 do CNJ, que alterou dispositivos da Resolução nº 213/2015, reforça esse entendimento, deixando explícito no artigo 8º, alínea “f”, que o juiz deverá determinar o exame sempre que os registros forem insuficientes ou quando houver alegação de maus-tratos ocorridos após o exame, principalmente se o primeiro exame foi realizado na presença de policial.
Ainda no campo normativo, a Resolução nº 14/1994 do CNPCP assegura ao preso o respeito à sua individualidade, integridade física e dignidade (art. 3º).
Esse dever também encontra respaldo na Constituição Federal, que no artigo 5º, inciso XLIX, garante aos presos o “respeito à integridade física e moral”, e na Lei de Execuções Penais (art. 40), que impõe a todas as autoridades a obrigação de zelar pela integridade física e moral dos condenados e presos provisórios.
No âmbito internacional, as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela), especialmente na Regra 30, estabelecem que todo preso deve ser examinado por profissional de saúde o mais rápido possível após sua entrada no estabelecimento prisional, com especial atenção à detecção de maus-tratos ocorridos antes da entrada no estabelecimento prisional.
O debate sobre a realização do exame de corpo de delito ou avaliação médica antes da entrega do preso na delegacia foi objeto de um caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso.
No caso, um indivíduo preso por violência doméstica foi entregue na delegacia por policiais militares, segundo relatos, sem qualquer lesão aparente. Durante o período em que estava sob custódia da Polícia Civil, o preso foi agredido por um policial civil, vindo a falecer no dia seguinte em decorrência das lesões sofridas. Os policiais militares relataram em audiência que existe uma prática institucional de a delegacia não receber presos lesionados, sendo exigido que, nesses casos, o preso passe antes por atendimento médico.
O exame de corpo de delito só foi realizado após o preso já estar sob a guarda da Polícia Civil, o que gerou dificuldades na apuração dos fatos, especialmente para identificar de quem seria a responsabilidade pelas agressões. No final, diante da insuficiência probatória, o policial civil acusado foi absolvido. (TJMT – Apelação Criminal nº 10024525520208110010, Relator Des. Orlando de Almeida Perri, Julgado em 12/12/2023).
Esse caso real ilustra a extrema importância de documentar formalmente, por meio de laudo médico ou exame de corpo de delito, o estado físico do preso no momento da captura e da apresentação na autoridade policial.
Inclusive, na minha própria experiência profissional, na condução de um Inquérito Policial Militar (IPM), um preso alegou tortura após ser transferido de uma guarnição para outra. As agressões, na verdade, foram praticadas por militares da guarnição que recebeu o custodiado, e não pela que efetuou a prisão-captura. Situações como essa demonstram que o risco de atribuição equivocada de responsabilidade existe não apenas entre diferentes instituições (como PM e Polícia Civil), mas até mesmo entre policiais da mesma corporação.
Por isso, a conduta preventiva de realizar um exame médico ou pericial antes da entrega do preso, é altamente recomendável como mecanismo de proteção funcional e garantia de direitos.
Não é raro que instituições policiais editem normativas internas estabelecendo como procedimento padrão que os presos sejam submetidos a avaliação médica ou exame de corpo de delito antes da apresentação na delegacia.
Essa prática, adotada por cautela, visa tanto proteger o custodiado quanto resguardar os próprios policiais de eventuais imputações indevidas, especialmente no intervalo entre a captura, o deslocamento e a formalização da prisão.
Na prática dos sistemas prisionais, por exemplo, é comum que as unidades só recebam presos acompanhados de exame de corpo de delito ou atestado médico, garantindo a integridade física do custodiado no momento da admissão.
Por fim, cabe destacar que o exame de corpo de delito é uma medida pericial requisitada pela autoridade policial (Delegado de Polícia) ou determinada pelo juiz. No entanto, o policial militar, no âmbito da atividade de policiamento, pode e deve adotar medidas preventivas, como o encaminhamento do preso a uma unidade de saúde (UPA, hospital ou posto de saúde) para avaliação clínica antes da entrega à autoridade policial, sempre que identificar qualquer necessidade ou se for uma política institucional.
Obrigado pela pergunta e estou à disposição para qualquer dúvida.
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Rodrigo FoureauxAdministradorCaro Danilo, bom dia!
Agradeço pela excelente pergunta. De fato, trata-se de um tema ainda controverso na jurisprudência.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou em sentidos distintos sobre a possibilidade de configuração do crime de descumprimento de medida protetiva (art. 24-A da Lei 11.340/2006) quando há consentimento da vítima para a aproximação.
1. Entendimento pela configuração do crime
Mesmo com o consentimento da vítima, o crime permanece configurado, pois o bem jurídico tutelado vai além da vontade individual — trata-se da proteção da ordem judicial e da efetividade das medidas protetivas:
“O consentimento da vítima para a aproximação do réu não afasta eventual ameaça ou lesão ao bem jurídico tutelado pelo art. 24-A da Lei 11.340/2006.” (STJ – AgRg no AREsp 2330912/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 22/08/2023, DJe 28/08/2023)
2. Entendimento pela atipicidade da conduta
Em outro julgamento, o STJ entendeu que a violação da medida com o consentimento da vítima não configura crime, considerando que não há lesão ao bem jurídico protegido, o qual seria, neste caso, a integridade da própria vítima:
“O consentimento da vítima para a aproximação pode afastar a tipicidade da conduta prevista no art. 24-A, especialmente quando não há demonstração de risco ou violência.” (STJ – AREsp 2.739.525/SP, j. 12/12/2024)
O que fazer?
Diante da divergência jurisprudencial e considerando que as decisões mais recentes têm reforçado a proteção integral da vítima e a autoridade judicial, recomenda-se cautela. Na atuação funcional, o ideal é consultar a posição institucional ou o superior hierárquico durante o serviço, especialmente em casos que envolvam contato com vítimas de violência doméstica.
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Rodrigo FoureauxAdministradorEu que agradeço pela sua excelente pergunta.
Grande abraço!
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Rodrigo FoureauxAdministradorEu que agradeço, Renato, pela sua excelente pergunta.
Um abraço!
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Rodrigo FoureauxAdministradorDiego, obrigado pela sua opinião.
Concordo com você. -
Rodrigo FoureauxAdministradorBom dia, Danilo!
Interessante a pergunta.
Devemos sempre verificar se a lei traz consequências, como ocorre no caso de descumprimento de medida protetiva, que resulta em crime (art. 24-A da LMP). No caso de livramento condiconal ou outra medida, como a lei não traz consequência, é registrar e comunciar a autoridade competente (MP e Juiz).
Segue um resumo:
1. Medida cautelar do art. 319 do CPP: registrar o fato e comunicar o juiz que poderá decretar a prisão preventiva ou fixar novas medidas cautelares ou substituí-las;
2. Medida protetiva da Lei Henry Borel: prender em flagrante pelo crime previsto no art. 25 da Lei n. 14.344/2022;
3. Medida protetiva da Lei Maria da Penha: prender em flagrante pelo crime previsto no art. 24-A da Lei n. 11.340/2026;
4. Cumprimento de pena (execução penal): registrar o fato e comunicar o juiz que poderá regredir o regime de cumprimento de pena.Um abraço!
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Rodrigo FoureauxAdministradorEntendo bem a dificuldade de quem está na “ponta da linha”. É muito complexo mesmo. E a insegurança jurídica é imensa.
Grande abraço! -
AutorRespostas