Gerência de locais como ferramenta de prevenção criminal
1 INTRODUÇÃO O estudo dos lugares de crime desloca o foco tradicional da criminologia, que priorizava o comportamento individual ou comunitário, para a análise das interações entre as características ambientais e os eventos criminais. Essa abordagem concentra-se em microespaços, como esquinas, edifícios e trechos de rua, ao invés de áreas amplas, como bairros ou comunidades, conforme argumentado por Eck e Weisburd (2015). Essa perspectiva busca compreender como as características físicas e sociais de um local, bem como as atividades rotineiras nele realizadas, interagem para possibilitar ou inibir a ocorrência de delitos. A centralidade do ambiente físico no estudo da criminalidade é fundamentada em evidências que destacam a relação entre as características espaciais e a ocorrência de crimes. Eck e Weisburd (2015) apontam que fatores como a localização de estabelecimentos comerciais, a densidade populacional e o nível de vigilância influenciam significativamente os padrões criminais. Além disso, as estratégias de controle do crime baseadas em lugares, como as intervenções em hot spots, demonstram um impacto direto na redução de delitos em locais específicos (Weisburd et al., 2012). A literatura criminológica incorpora teorias que estruturam o estudo dos lugares de crime, como a teoria da escolha racional, a teoria da atividade rotineira e […]
Commuters e Marauders: Comportamento espacial de criminosos
1 INTRODUÇÃO Grande parte das pesquisas realizadas no campo da geografia do crime e da criminologia ambiental tem centrado sua atenção na análise dos delitos e sua relação com os ambientes onde ocorrem. Apesar de reconhecer a relevância acadêmica e prática desses estudos, é igualmente essencial direcionar o foco para os responsáveis pelos fenômenos criminais, com o objetivo de compreender seus comportamentos no espaço. Essa abordagem contribui para o aprimoramento científico das metodologias investigativas. O perfil geográfico (geographic profiling) é uma técnica que utiliza os locais associados a uma série de crimes interligados para identificar o ponto de ancoragem (anchor point) mais provável do infrator. Quando um indivíduo frequenta rotineiramente um determinado local, esse espaço pode se tornar um “ponto de ancoragem”, ao redor do qual outras atividades criminosas tendem a se concentrar (Brantingham; Brantingham, 1984). Para Rengert (1990), a residência é considerada o ponto de ancoragem principal na vida das pessoas. Além dos pontos de ancoragem, destacam-se dois tipos especializados de nós que influenciam a formação do espaço de atividade e do espaço de consciência de um indivíduo: os atrativos de crimes (crime attractors) e os geradores de crimes (crime generators). Os estudos sobre o perfil geográfico têm, predominantemente, […]
Lei de concentração do crime
1 INTRODUÇÃO O crime não se distribui de forma aleatória no espaço. Pequenas áreas de um território específico concentram uma proporção significativa de eventos criminais (Sherman; Gartin; Buerger, 1989a; Sherman, 1995; Weisburd et al., 2004a). Uma das principais constatações empíricas da chamada “criminologia do lugar” (criminology of place) é que o crime está concentrado em unidades geográficas muito reduzidas (Weisburd; Amram, 2014; Weisburd, 2015, 2004; Weisburd; Groff; Yang, 2012). Além disso, os microespaços representam o nível mais adequado de análise espacial do crime. O geógrafo Keith D. Harries (1974) observa que as infrações possuem suas próprias “ecologias de lugar”, sendo influenciadas pelo layout, pelas características estruturais e pelo design do bairro, que podem moldar as oportunidades para determinados crimes. Conforme Harries, “a discussão de fatores microambientais demonstra que os delitos variam muito em sua capacidade de controle por meio da manipulação do ambiente físico” (Harries, 1974, p. 78). Stucky e Ottensmann (2009) revisaram a relação entre uso e ocupação do solo e o crime no âmbito da criminologia. Seus estudos abrangem desde as análises da Escola de Chicago (Burgess, 1916; Shaw; McKay, 1942), passando pelas discussões sobre paisagens urbanas e criminalidade (Jacobs, 1961; Newman, 1971), até as teorias das […]
Granularidade espacial na análise criminal: impactos da escolha de escalas na identificação de padrões criminais
1 Introdução As contagens de crimes são sensíveis à escolha da granularidade. Uma questão fundamental na análise de muitos processos espaciais é a escolha de uma escala apropriada para a análise. Unidades geográficas menores são geralmente preferíveis para o estudo de fenômenos humanos porque são menos propensas a causar a confusão de grupos heterogêneos. No entanto, pode ser mais difícil obter dados para unidades pequenas e problemas de números pequenos podem frustrar a análise quantitativa (Malleson; Steenbeek; Andresen, 2019). A granularidade espacial na análise de crimes se refere ao nível de detalhes em que os dados espaciais são divididos e analisados. É crucial para identificar padrões de crimes e hotspots, mas a escolha da granularidade pode impactar significativamente a precisão e utilidade da análise (Ramos et al., 2020). No mesmo sentido, Malleson et al. (2019) destacam que o tamanho da grade espacial impacta significativamente a análise da distribuição do crime, influenciando tanto a precisão das descobertas quanto a interpretação dos padrões subjacentes. Pesquisas indicam que unidades geográficas menores podem revelar padrões de crime mais matizados, mas também apresentam desafios como escassez de dados e problemas de pequeno número (Malleson et al., 2019). Grades menores (por exemplo, raster de 1000 m) […]
Dissuasão, deslocamento do infrator e a redução criminal
1 Introdução O estudo do deslocamento do crime tem sido um tema recorrente e de grande relevância nas ciências criminais e na criminologia. A premissa de que o crime pode ser simplesmente transferido de uma localidade para outra, sem que haja uma efetiva redução na sua ocorrência total, é uma preocupação central nas análises das políticas de prevenção e controle do crime. Esta pesquisa propõe-se a examinar a validade da hipótese de deslocamento do crime, conforme postulada por Weisburd et al. (2006) e Clarke e Mayhew (1988), e a explorar as diferentes formas pelas quais o deslocamento pode ocorrer, segundo as categorias identificadas por Reppetto (1976). A ideia intuitiva de que o crime possui uma natureza “hidráulica”, movendo-se para novas áreas quando prevenido em outras, será abordada criticamente à luz das evidências empíricas e das teorias contemporâneas. Este trabalho também busca esclarecer a extensão em que as estratégias de policiamento focadas em hot spots podem efetivamente reduzir a taxa geral de crimes, mesmo considerando a possibilidade de deslocamento. 2 A dissuasão e deslocamento do infrator O fenômeno da dissuasão local tem sido aceito há muito tempo pelos críticos das políticas destinadas a criá-lo que negam que isso […]
Análise Geoespacial de Padrão de Pontos
Há uma premissa em âmbito da criminologia de que o crime não se distribui de maneira aleatória no espaço, possuindo desta forma, uma característica “locacional”. A forma de constatação dessa característica pode ser realização pela análise do padrão de dispersão dos eventos criminais, de forma que se possa inferir se os eventos criminais ou outros fenômenos correlatos à atividade criminal (desordens por exemplo), ou ainda de recursos dedicados ao controle e combate ao crime (recursos operacionais, operações policiais, localização de estruturas de prevenção criminal, etc) possuem propriedades locacionais. Assim, a análise de padrões de pontos permite identificar, a partir da existência ou não do padrão de distribuição, se o fenômeno está ou não relacionado ao local onde ele ocorre. Para tanto, realizou-se tal análise para o pacote de eventos e para os casos individuais, de forma a se verificar se ambos possuem as mesmas características. Para tanto, existem algumas técnicas que permitem realizar esse tipo de análise, sendo os mais conhecidos a distância média ao vizinho mais próximo e a frequência de pontos por quadrícula. Distância média ao vizinho mais próximo Para se identificar o padrão de distribuição de pontos utilizou-se a classificação proposta por Taylor (1977) no espectro de […]
Análises Centrográficas
A maior parte das bases teóricas[1] utilizadas para análise do perfil geográfico, a partir da criminologia ambiental, pode ser resumida em três conceitos básicos: primeiro, a maioria dos crimes ocorre relativamente perto da residência do agressor; em segundo lugar, a frequência do crime diminui à medida que a distância da casa do agressor aumenta; terceiro, diferentes crimes exibirão diferentes padrões espaciais (KENT; LEITNER, 2007). Segundo Kent; Leitner (2007), de maneira geral, esses conceitos estabelecem um quadro qualitativo para examinar a relação complexa entre o agressor, o crime e a vítima. Mas como Brantingham e Brantingham (1981) advertiram, não é prático examinar essa relação fora do contexto de lugar. Consequentemente, quase todas as metodologias de profissão contemporânea aplicam modelos quantitativos que utilizam, no seu núcleo, princípios geográficos fundamentais. Dois dos princípios mais proeminentes são a centrografia e a difusão espacial (CANTER & LARKIN, 1993; ROSSMO, 1999; SNOOK et al., 2004; SNOOK et al., 2005; LEBEAU, 1987; RICH & SHIVELY, 2004; PAULSEN, 2006). Um resumo destas técnicas e a sua aplicação ao perfil geográfico são fornecidos no quadro a seguir: Quadro 1 – Medidas espaciais predominantes utilizadas em Perfil Geográfico Criminal (Criminal Geographic Profiling) A aplicação das técnicas centrográficas para o estudo […]
Técnicas de Mapeamento Criminal: Potencialidades e Limitações
Diferentes técnicas de mapeamento são usadas para descrever os hot spots, incluindo as seguintes: pontos, elipses espaciais, mapas temáticos, quadrículas, interpolação e estimativa de densidade do kernel (CHAINEY; TOMPSON; UHLIG, 2008; ECK et al., 2005). Mapeamento de Pontos No mapeamento de pontos, a distribuição de fenômenos geográficos discretos (ou seja, um objeto ou evento) é representada usando pontos idênticos. Nesse caso, o hot spot é um ponto em um endereço específico. A identificação de grupamentos (clusters) pela observação de eventos únicos como pontos em uma área pode ser problemática, pois dependeria da percepção visual do observador (COLUMBIA PUBLIC HEALTH, s.d.). Um exemplo de mapa de pontos aplicado para análise criminal consta na Figura 1. Conforme o mapa (FIGURA 1), verifica-se que uma questão relevante para o mapeamento por pontos é a escala de representação dos dados. Para melhor permitir a identificação dos eventos é necessário que se utilize uma escala maior (mapa à direita) o que não é possível no mapa da esquerda, por exemplo. Desta forma, para identificação de microespaços de ocorrências criminais sugere-se que se utilize uma escala adequada à representação desses espaços. Mapeamento de elipses espaciais (elipses de desvio padrão) A técnica de elipses espaciais aplica elipses […]
Geografia comportamental e o Comportamento Criminoso
A geografia comportamental como um subcampo da geografia iniciou seu desenvolvimento na década de 1960, quando pesquisadores desafiaram as teorias existentes sobre como as pessoas tomavam decisões sobre viagens e comportamentos associados. O desenvolvimento de pesquisas baseadas no comportamento na geografia tem sido bem documentado (GOLLEDGE; BROWN; WILLIAMSON, 1972; COX; GOLLEDGE, 1969; GOLLEDGE; RUSHTON, 1984; SPENCER; BLADES, 1986; GOLLEDGE; STIMSON, 1987). Segundo Golledge e Timmermans (1990), os elementos essenciais no surgimento e desenvolvimento da geografia comportamental podem ser resumidos como: a) uma busca por modelos de humanidade que eram alternativas ao ser economicamente e espacialmente racional da teoria locacional normativa;b) uma busca para definir ambientes diferentes da realidade física objetiva como o meio em que a tomada de decisão e a ação humana ocorrem;c) uma ênfase nas explicações processuais e não estruturais da atividade humana e da relação entre a atividade humana e o ambiente físico;d) um interesse em desagregar as dimensões espaciais das teorias psicológicas, sociais e de outras formas de tomada de decisão e comportamento humano;e) uma mudança na ênfase das populações agregadas para a escala desagregada de indivíduos e pequenos grupos;f) uma necessidade de desenvolver novas fontes de dados além das estatísticas agregadas geradas em massa generalizadas […]
Ambiente, oportunidades e tomada de decisão
Teoria das Atividades Rotineiras De acordo com a teoria original das atividades rotineiras, o crime é resultado da convergência de três elementos no tempo e no espaço: a presença de ofensor provável ou motivado; a disponibilidade de alvos em potencial; e a ausência de guardiões capazes de prevenir o ato criminal (COHEN; FELSON, 1979). Um provável ofensor inclui qualquer um com uma inclinação para cometer um crime (FELSON, 1983). Um alvo em potencial abarca alguma pessoa ou bem que suscite a ação de um criminoso, que inclua o valor real (monetário e/ou simbólico) do alvo e o seu desejo pelos infratores, a visibilidade aos infratores ou seus informantes, o acesso a ela, a facilidade de escapar do local, bem como a portabilidade ou mobilidade de objetos procurados pelos ofensores (FELSON, 1983). Segundo Eck e Weisburd (1995), o guardião é uma pessoa capaz de proteger o alvo, incluindo amigos, pessoas próximas (parentes, professores, empregados), gestores (zeladores), além das autoridades formais como a polícia e seguranças pessoais. A ausência de guardiões capazes pode ser suprida por cidadãos comuns que em sua vida diária. Segundo Felson (1983; 1994), são esses cidadãos comuns em sua rotina os guardiões mais importantes. O guardião típico não […]
Teorias Ecológicas do Crime e Prevenção Criminal
Na década de 1970 há um marco conceitual no pensamento sobre a etiologia do comportamento criminoso a partir da publicação das obras Defensible Space de Oscar Newman e Crime Prevention Throught Environmental Design de Clarence Ray Jeffery. Estas obras influenciaram acadêmicos, agências governamentais, o desenho arquitetônico e iniciativas públicas e privadas de prevenção criminal. Espaço Defensivo O Espaço Defensivo ou Espaço Defensável (defensible space) foi um conceito criado por Newman (1972) e introduzido em Defensible Space: People and Design in the Violent City. O termo é usado para descrever o desenho de um ambiente residencial projetado para permitir e até mesmo incentivar os próprios residentes a supervisionar e serem vistos por pessoas de fora (não residentes) como responsáveis por seus bairros (MAYHEW, 1981). Paulsen e Robinson (2004) citam o Nation Crime Prevention Insitute (1986, p. 126) para relatar que a abordagem dos espaços defensivos reforçam aspectos básicos do comportamento humano: a territorialidade e a vigilância natural. Segundo Beato; Peixoto; Andrade (2004, p. 74). A ideia de espaço defensivo relaciona-se a soluções arquitetônicas de recuperação de moradias públicas nos Estados Unidos, obrigando seus moradores a exercer seus naturais instintos de “territorialidade”. Este instinto é perdido quando se constroem grandes prédios de […]
Teorias Clássicas da Criminologia Ambiental
Precedentes históricos: Escola Cartográfica de Criminologia Antes do surgimento da teoria da desorganização social, outros estudos exploraram os efeitos dos fatores ecológicos sobre a criminalidade. Segundo Paulsen e Robinson (2004) houve três correntes distintas de pesquisa relacionadas ao crime e ao local, incluindo: Phillips (1972) afirma que “centenas de estudos espacialmente orientados sobre o crime e a delinquência foram escritos por sociólogos e criminologistas desde 1830 […]” e reconhece a chamada escola cartográfica ou geográfica de criminologia ou ainda estatística moral (1830-1880), como pioneira no estudo da criminologia ambiental. Encontraram distribuições específicas de ocorrências criminais em todo o país, incluindo altas taxas de crime em algumas áreas e baixas taxas em outras áreas, diferenças entre crimes violentos e contra o patrimônio e estabilidade dessas taxas ao longo do tempo. Figura 1 – Mapeamento de Crimes por Guerry e Balbi em 1829 Fonte: Friendly (2007, p. 5). Mayhew aproxima-se das zonas marginais de Londres para que os seus próprios habitantes lhe descrevam por palavras suas os trabalhos e sofrimentos. Entrevista delinquentes juvenis e visita os seus lares. Juntamente com esta metodologia qualitativa, o autor recorre a um elevado número de estatísticas. No seu estudo sobre a delinquência juvenil pode-se concluir, juntamente […]
Introdução à Geografia do Crime
Introdução à Geografia do Crime A busca pelas causas que conduzem pessoas ao cometimento de delitos é tarefa à qual se dedicam acadêmicos e profissionais de diversas áreas. No âmbito da criminologia, diversos fatores foram levantados como sendo hipóteses que influenciam no aparecimento e concentração do fenômeno criminal e que conduziram à elaboração de modelos que revelam fatores particulares. Diversas teorias criminológicas são destinadas a explicar o que motiva pessoas a cometerem atos criminais. Estas teorias buscam nas origens biológica, psicológica, sociológica, cultural, econômica, dentre outras, as razões porque pessoas querem ofender, desviar ou quebrar a lei. Muito menos comuns são as teorias que tentam explicar o evento criminoso na sua totalidade. Dentro das possíveis abordagens sobre o fenômeno criminal, de acordo com “criminologistas ambientais” (environmental criminolists) um crime consiste de quatro elementos: Num breve panorama sobre as teorias explicativas para a causação do crime, Cano e Soares (2002) delimitam cinco grupos de abordagens: a) teorias que tentam explicar o crime em termosde patologia individual;b) teorias centradas no homo economicus, isto é,no crime como uma atividade racional demaximização do lucro;c) teorias que consideram o crime comosubproduto de um sistema social perverso oudeficiente;d) teorias que entendem o crime como umaconsequência da […]