O que é bom senso no uso da força policial?
Rodrigo Foureaux A Portaria MJSP nº 855/2025, que estabelece diretrizes para o uso da força pelos agentes de segurança pública, prevê expressamente no inciso V do art. 6º que: “a força deve ser empregada com BOM SENSO, prudência e equilíbrio, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, com vistas a atingir um objetivo legítimo da aplicação da lei;” Afinal de contas, o que é bom senso no dia a dia? No dia a dia, quando falamos que alguém teve “bom senso”, geralmente estamos reconhecendo uma atitude equilibrada, prudente e razoável diante de uma situação concreta. É aquela decisão que parece naturalmente certa, porque leva em conta o contexto e evita exageros. O bom senso está presente em atitudes simples: Um motorista que diminui a velocidade ao ver uma criança atravessando a rua. Uma pessoa que, mesmo com razão no trânsito, evita uma briga ao perceber que o outro motorista está exaltado. Um colega de trabalho que evita fazer uma piada em um momento inadequado. • Uma pessoa que escuta antes de reagir em uma discussão. Um cliente que desiste de discutir com o atendente por entender que ele não tem culpa do problema. Trata-se da capacidade prática de perceber […]
Disparos contra veículos em fuga: limites legais e jurisprudenciais
Rodrigo Foureaux O disparo de arma de fogo por profissionais de segurança pública contra veículos em fuga é um tema de alta sensibilidade operacional, jurídica e ética. Embora muitos profissionais associem a fuga à culpa presumida ou ao risco iminente, a legislação brasileira e a jurisprudência têm adotado posicionamento restritivo quanto à legalidade dessas ações. A legislação brasileira é clara ao disciplinar as hipóteses em que o disparo de arma de fogo é admitido nos casos de fuga. A Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, que trata do uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, estabelece expressamente os limites da atuação armada em situações de fuga. Art. 2º Os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, e deverão obedecer aos seguintes princípios: Parágrafo único. Não é legítimo o uso de arma de fogo: I – contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; e II – contra veículo que desrespeite bloqueio […]
A polícia pode conduzir a vítima à força para a Delegacia após a prisão em flagrante delito do agressor?
Rodrigo Foureaux Situações de violência doméstica são parte da rotina das forças policiais em todo o Brasil. É comum que, ao atender uma ocorrência, os policiais se deparem com a resistência da vítima em ir até a delegacia ou formalizar a denúncia contra o agressor. Nessas horas, surge a dúvida prática e jurídica: o que o policial pode ou deve fazer quando a vítima não quer ir para a delegacia? A resposta exige cautela, pois uma conduta mal orientada pode gerar responsabilização funcional, administrativa ou até criminal para o próprio agente. Ainda que a intenção do policial seja proteger a vítima, ações precipitadas, como levá-la à força sem ordem judicial, podem configurar abuso de autoridade ou revitimização, prejudicando não só o caso em questão, mas também a credibilidade da atuação policial. Este texto busca esclarecer, com base na legislação vigente e em entendimentos jurisprudenciais, quais são os limites e deveres da atuação policial diante da recusa da vítima em colaborar com a investigação, sempre priorizando a proteção da mulher e o respeito aos direitos humanos. A realidade da violência doméstica no Brasil A violência doméstica contra a mulher continua sendo uma das mais graves e persistentes violações de direitos humanos […]
A infidelidade no meio policial: é verdade que os policiais traem mais? O que a ciência revela?
Rodrigo Foureaux Introdução A infidelidade conjugal é um fenômeno humano complexo, marcado por múltiplas causas emocionais, sociais e psicológicas. No entanto, quando observada sob a lente das profissões de alto risco e estresse, como a atividade policial, ela assume contornos ainda mais específicos e, por vezes, alarmantes. Não se trata de um julgamento moral, mas de uma constatação científica: há fatores estruturais e ocupacionais que elevam significativamente a vulnerabilidade dos policiais a esse tipo de comportamento. Nesta análise aprofundada, baseada exclusivamente em literatura científica internacional e dados empíricos, investigamos os motivos pelos quais policiais, homens e mulheres, podem apresentar taxas mais elevadas de infidelidade em comparação com outras profissões. Estresse crônico, distanciamento familiar, cultura organizacional permissiva, traços de personalidade e pressão financeira compõem um cenário que fragiliza os vínculos afetivos e exige atenção institucional urgente. Com linguagem clara, embasamento técnico e exemplos ilustrativos, este estudo visa não apenas compreender o problema, mas também apontar caminhos para preveni-lo. O objetivo não é estigmatizar os profissionais de segurança pública, mas promover um olhar humanizado e estratégico sobre os desafios que afetam diretamente sua vida emocional, conjugal e, por consequência, sua atuação profissional. 1. Estresse da atividade policial e consequências emocionais no relacionamento […]
A influência da mídia na segurança pública e no trabalho policial
Introdução A imagem da polícia na sociedade contemporânea não se constrói apenas pelas ações realizadas nas ruas, mas sobretudo pelo modo como essas ações são comunicadas, interpretadas e replicadas nos diferentes meios de informação. Em uma era marcada pela hiperconectividade e pela sobreposição entre os mundos físico e digital, a mídia, em suas múltiplas formas, tornou-se um ator central na mediação simbólica da segurança pública. Reportagens jornalísticas, vídeos virais, comentários em redes sociais, séries ficcionais e transmissões ao vivo não apenas relatam fatos, mas moldam percepções, influenciam sentimentos e, por vezes, desencadeiam reações sociais e institucionais profundas. O trabalho policial, que por natureza exige presença, autoridade e tomada de decisões sob pressão, passou a operar sob o olhar constante da sociedade, amplificado por câmeras de celulares, plataformas digitais e algoritmos de engajamento. Essa visibilidade permanente é, ao mesmo tempo, oportunidade e risco: pode promover transparência e confiança, mas também alimentar desinformação, sensacionalismo e julgamentos precipitados. Em muitos casos, a atuação legítima é reduzida a fragmentos virais descontextualizados, gerando crise institucional antes mesmo da apuração dos fatos. Nesse contexto, discutir a influência da mídia na segurança pública e no trabalho policial não é apenas uma análise sobre comunicação, mas uma reflexão […]
O impacto do trabalho policial na família
Rodrigo Foureaux Resumo O trabalho policial está entre as ocupações mais exigentes do ponto de vista físico, psicológico e social. Este texto tem como objetivo examinar criticamente os principais impactos psicossociais que a atividade policial acarreta na vida familiar dos profissionais de segurança pública. Foram analisados estudos científicos extraídos de diversas bases de dados, com critérios de inclusão específicos e recorte temporal definido, totalizando 12 artigos analisados. Os achados revelam que a natureza imprevisível, os altos níveis de estresse e a exposição constante a situações de risco impactam negativamente os relacionamentos conjugais, as práticas parentais e a saúde mental dos próprios policiais e de seus familiares. A discussão temática mostrou que os conflitos conjugais, a ansiedade familiar, os efeitos do estresse ocupacional no lar e a dificuldade de conciliar trabalho e vida pessoal são recorrentes. Além disso, observou-se que o apoio organizacional e familiar, quando presente, desempenha papel atenuante. Conclui-se que políticas institucionais voltadas à saúde ocupacional e familiar são essenciais para promover o bem-estar e a funcionalidade familiar dos policiais. Introdução O exercício da atividade policial é caracterizado por uma confluência de fatores estressores que incluem exposição recorrente a situações de risco, exigências operacionais imprevisíveis e permanente vigilância situacional. […]
O preso civil pode ser conduzido para o quartel após a sua captura na rua?
Rodrigo Foureaux Um dos temas que suscita controvérsia prática e jurídica é a condução de civis presos em flagrante para quartéis militares antes de sua apresentação ao Delegado de Polícia. Embora a Constituição Federal e o Código de Processo Penal não abordem expressamente essa conduta, a análise sistemática do ordenamento jurídico e das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil evidencia que tal prática pode ser ilegal. No plano normativo interno, não se encontra dispositivo que, de forma literal, proíba a permanência temporária de presos civis em quartéis militares. Em determinadas situações, especialmente em cidades com grande demanda, é alegado que a condução inicial ao quartel serviria para a elaboração do Boletim de Ocorrência e agilidade da ocorrência. O Código de Processo Penal impõe, de forma implícita, a condução do preso em flagrante diretamente ao Delegado de Polícia, a quem compete dar início à formalização da prisão. O art. 6º, III e IV, e principalmente o art. 304 do CPP, implicitamente, delineiam que o preso deve ser apresentado ao delegado, que o ouvirá, lavrará o auto e verificará a legalidade da prisão. Não há qualquer previsão de parada intermediária em quartéis ou outras unidades militares. No plano internacional, o Brasil é signatário […]
Mão à cintura durante abordagem policial: legítima defesa, erro de tipo e os limites da reação sob estresse
Introdução Durante uma abordagem policial, um gesto aparentemente simples pode mudar completamente o rumo de uma ocorrência. É o caso da clássica situação em que o abordado, ao ver a viatura ou receber ordens da polícia, leva a mão à cintura. Esse movimento, que pode ter motivos banais, também pode sinalizar o início de uma agressão armada contra os policiais. Como agir? A dúvida é legítima e dramática: o policial pode disparar? Está protegido juridicamente? E se o suspeito não estiver armado? Este texto enfrenta essas questões sob três eixos: jurídico, neurocientífico e prático-operacional, explorando a figura da legítima defesa putativa, o erro de tipo essencial escusável, e destacando precedentes importantes da jurisprudência. A análise também considera a neurobiologia da tomada de decisão sob estresse, fundamental para compreender a realidade da atividade policial. 1. O gesto automatizado e a necessidade de cautela É importante reconhecer que o ato de levar a mão à cintura é, muitas vezes, um comportamento automatizado, enraizado nos hábitos cotidianos. A pessoa pode estar pegando o celular, que acabou de vibrar no bolso; pode estar ajustando a calça ou alcançando um objeto inofensivo. Muitas vezes, sequer percebe o risco que esse gesto representa para quem está […]
Advogado e Policial na Rua: Funções, Limites e Legalidade na Atuação em Ocorrências Policiais
Rodrigo Foureaux 1. Introdução Advogado x Policial na rua? Não! Na verdade, não se trata de um embate, mas de funções jurídicas distintas que se encontram no mesmo cenário: o espaço público. Na rua, realidades diferentes se cruzam. De um lado, o policial, incumbido da preservação da ordem, lidando com situações de alto estresse, riscos imediatos e decisões que, muitas vezes, não podem ser adiadas. De outro, o advogado, cuja missão é zelar pela legalidade desde o primeiro contato do cidadão com o poder estatal, garantindo o respeito aos direitos e garantias fundamentais. Ambos são operadores do Direito. E, embora atuem em momentos e frentes distintas, suas funções são complementares, nunca concorrentes. O que os une, e também os limita, é a legalidade. Conhecer o papel de cada um, na prática, é mais do que uma questão de respeito institucional: é uma exigência do Estado Democrático de Direito. Quando policiais e advogados atuam com consciência de seus deveres e limites, a atuação estatal se torna mais eficaz, e o processo legal, mais sólido. Saber até onde se pode ir, e como agir, é o que diferencia o improviso da técnica. É nesse ponto que reside a verdadeira legitimidade da atuação […]
Flexibilização do Coque nas Forças Policiais: Um Debate entre Saúde Ocupacional, Segurança e Cultura Institucional
Rodrigo Foureaux 1. Introdução A obrigatoriedade do uso do coque como padrão de penteado para policiais femininas sempre foi tratada como um elemento de padronização estética, disciplina e imagem institucional nas instituições militares estaduais. No entanto, esse mesmo elemento, aparentemente inofensivo, tem se tornado objeto de debates sobre saúde ocupacional, segurança e reconhecimento das particularidades de gênero dentro da estrutura policial. Recentemente, a flexibilização dessa exigência em alguns estados, como Santa Catarina, provocou reações diversas entre policiais, gestores e a sociedade em geral. Em um ambiente normalmente regido por hierarquia e tradição, abrir espaço para a revisão de normas aparentemente simples — como um penteado — pode representar um divisor de águas na forma como tratamos a dignidade e o bem-estar dos profissionais da linha de frente. A discussão ganhou grande repercussão pública, com um vídeo específico sobre o tema publicado no instagram @c.j.pol em 12 de maio de 2025, que ultrapassou 351 mil visualizações, atingindo 247 mil contas e gerando 28.767 interações, das quais 1.141 foram comentários — a base da análise deste texto. Um dado especialmente relevante é que 97,9% dessas interações partiram de pessoas que não seguiam o perfil original, o que demonstra a amplitude do […]
O que é o sniper e por que visa na região da cabeça do infrator?
Rodrigo Foureaux Introdução A imagem do sniper, também conhecido como atirador de elite, costuma ser envolta em mistérios e estigmas. Em obras de ficção, o sniper é frequentemente retratado como um executor frio, posicionado à distância e pronto para “eliminar” seus alvos com precisão milimétrica. No entanto, na realidade, a função do sniper é profundamente técnica, regulada por critérios operacionais, legais e éticos. Em cenários críticos, sua atuação pode significar a diferença entre a vida e a morte de um inocente. Este texto tem como objetivo explicar o papel do sniper em situações com reféns sob risco iminente, detalhando por que, nesses casos, a região da cabeça costuma ser o ponto visado e por que essa decisão segue critérios rigorosos de segurança, proporcionalidade e legalidade. O papel do sniper: muito além do disparo O sniper é um operador altamente treinado, com formação tática e psicológica acima da média. Ele não atua sozinho nem decide por conta própria quando ou onde intervir. Toda sua atuação é subordinada a um comando técnico, geralmente chefiado por um oficial experiente, que é responsável por reunir todas as informações táticas e tomar decisões conforme os princípios do uso diferenciado da força. A atuação de atiradores […]
Imunidade Profissional do Advogado, Desacato e os Efeitos da ADI 7231 no Estatuto da OAB
O Supremo Tribunal Federal, em sessão encerrada em 14 de junho de 2025, julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 7231, proposta em razão de vício formal no processo legislativo da Lei nº 14.365/2022. A referida norma havia promovido a revogação dos §§ 1º e 2º do art. 7º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994), dispositivos que tratavam de importantes prerrogativas da advocacia, especialmente no que diz respeito ao acesso aos autos e à imunidade profissional no exercício da atividade. A decisão do STF reconheceu que não houve deliberação parlamentar sobre a revogação dos dispositivos mencionados, o que comprometeu o devido processo legislativo. O erro foi identificado pelas próprias Casas Legislativas e pela Presidência da República, que, apesar de oficiadas, não promoveram a correção adequada. Em razão disso, a Corte julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade formal do art. 2º da Lei nº 14.365/2022, exclusivamente no ponto em que revoga os §§ 1º e 2º do art. 7º do Estatuto da Advocacia. Assim, esses dispositivos voltam a ter vigência. Dentre os dispositivos restabelecidos, o § 2º do art. 7º dispunha sobre a imunidade profissional do advogado, prevendo que não constituem injúria, difamação ou desacato puníveis quaisquer manifestações […]
O uso de algemas em audiência e a palavra do policial
No Brasil a regra é que o preso não utilize algemas durante as audiências e a decisão se o preso ficará algemado ou não cabe ao juiz. A algema poderá ser utilizada nos seguintes casos (exceções): Resistência; Fundado receio de fuga; Perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros. É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto, durante o trajeto entre a unidade prisional e o hospital e durante o trabalho de parto, bem como após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada. Não obstante a decisão pelo uso das algemas ou não durante as audiências seja uma decisão do juiz é prudente sempre ouvir os policiais antes de determinada a retirada e estar seguro de que caso o preso esboce qualquer reação será possível contê-lo. A palavra do policial é importante! Nesse sentido: “A questão da periculosidade ou não de um réu é um assunto de polícia, e não de juiz. Se aquela informa a este que considera o réu perigoso, o juiz, que normalmente está entrando em contato com o réu pela primeira vez, ali naquela situação, tem […]
Tiro nas Costas e Tiro pelas Costas: Análise Técnica e Jurídica da distinção que pode definir a vida funcional de um policial
Introdução A atividade policial é marcada por decisões tomadas em frações de segundo. Nessas situações, um único disparo pode salvar vidas ou conduzir o agente à perda da liberdade, da carreira e da dignidade. No centro dessa tensão, encontra-se uma distinção pouco compreendida, mas juridicamente crucial: a diferença entre o tiro nas costas e o tiro pelas costas. Embora a semelhança verbal entre as expressões induza à confusão, trata-se de conceitos distintos e que produzem efeitos jurídicos radicalmente diferentes. O primeiro pode revelar uma reação legítima diante de ameaça real; o segundo, uma ação desproporcional e surpreendente, que pode configurar homicídio qualificado. Neste texto, analisa-se tecnicamente essa diferença, à luz de parâmetros jurídicos, elementos da criminalística e da medicina legal, além de decisão judicial, demonstrando que não é o ponto de impacto que define a licitude do ato, mas o contexto da ação e as evidências técnicas que a cercam. 1. A importância da distinção: aspectos jurídicos essenciais O Código Penal, em seu art. 121, §2º, inciso IV, prevê a qualificadora do homicídio cometido mediante recurso que dificulte a defesa da vítima. No campo prático, essa qualificadora é frequentemente debatida quando o disparo atinge a região posterior do corpo, principalmente, […]
A polícia localiza apenas uma arma de fogo no carro (porte ilegal) ou na residência (posse ilegal). É possível a prisão de mais de uma pessoa que estava no carro e na casa?
A composse de arma de fogo ocorre quando uma única arma pode ser atribuída a mais de uma pessoa. Não existe, legalmente, essa possibilidade no Brasil, pois o porte de arma de fogo é pessoal e intransferível, nos termos do art. 48 do Decreto n. 11.615/2023, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento – Lei n. 10.826/03. Art. 48. O porte de arma de fogo é pessoal, intransferível e revogável a qualquer tempo e será válido apenas em relação à arma nele especificada, mediante a apresentação do documento de identificação do portador. Ocorre que apesar na impossibilidade jurídica, na prática pode ocorrer de haver mais de uma pessoa numa situação em que há somente uma arma de fogo e, a depender da análise do caso concreto, o porte ilegal poderá ser atribuído a ambos. O crime de posse/porte ilegal de arma de fogo (arts. 12 e 14, ambos da Lei 10.826/03) é crime de mão própria, razão pela qual somente pode ser praticado por um único agente, mas possui exceção. Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência […]
A polícia pode ingressar na residência quando o rastreador do celular furtado/roubado indicar que o aparelho está na casa?
Hoje em dia muitos celulares possuem rastreador que continuam ativos, inclusive, quando os celulares são desligados. A vítima do furto/roubo consegue rastrear a localização do celular e liga para a polícia. O policial poderá entrar na residência? Há fundadas razões? Nesses casos há justa causa para que o policial entre na residência, pois é um dado objetivo de que o produto que acabou de ser furtado/roubado se encontra na casa. O policial atua no estrito cumprimento do dever legal. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o ingresso na residência com fundamento no sistema de rastreamento do celular é legítimo (HC n. 752.670/RJ, relator Ministro Jesuíno Rissato, 6ª Turma, julgado em 28/2/2023, DJe de 3/3/2023 e HC n. 433.261/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 10/4/2018, DJe de 18/4/2018). Para o policial se resguardar é importante que a vítima envie para ele o comprovante (vídeos ou prints do sistema de rastreamento) de que o celular se encontra em tal local. Na prática pode ser difícil identificar a casa, sobretudo se houver muitas casas próximas, uma colada na outra. Nesses casos é importante que o policial tenha mais cautela e tente obter mais informações para decidir pelo ingresso […]
O fato de o indivíduo levar a mão à cintura ao ser abordado pela polícia legitima o disparo policial?
Sempre que uma pessoa for abordada pela polícia não deve colocar a mão na cintura, pois haverá o risco de os policiais dispararem. Entre o saque de uma arma e o disparo pelo infrator pode passar apenas um segundo. É claro que nem todo ato de levar a mão à cintura autoriza o imediato disparo, o que deve ser analisado caso a caso. Às vezes a pessoa, automaticamente, por ser uma conduta comum no dia a dia, leva a mão à cintura para atender o celular (como já vi acontecer), o que pode ocorrer por outros motivos também. E, em outros casos pode ser, realmente, para sacar a arma. Como é complexo para o policial na hora, no calor dos fatos, identificar se o caso comporta disparo ou não e é uma decisão rápida, tomada em um segundo ou em segundos e sem volta, cujo resultado poderá ser o destino de sua própria vida ou de um terceiro inocente! Tudo depende do contexto. No exemplo em que os policiais derem várias ordens e o sujeito for se afastando e levar a mão na cintura aparenta estar propenso a colocar a mão em alguma arma e utilizá-la contra os policiais, o […]
Ataque de homem desarmado contra o policial legitima o disparo de arma de fogo por parte do policial?
Não existe uma resposta fechada e pronta para as situações em que policiais sofrem ataques de terceiros sem estarem com armas. Infelizmente, a história mostra vários casos de policiais que não agiram por medo, tiveram a arma tomada e morreram após o infrator usar a arma do policial contra ele mesmo! Em São Paulo, em junho de 2023, um agente, durante luta corporal, tomou a arma de um policial militar e atirou contra os dois que, felizmente, não faleceram.[1] Em Fortaleza, em maio de 2022, um infrator, ao ser abordado por policiais rodoviários federais, tomou a arma de um deles e atirou contra os dois que faleceram.[2] Em Goiás, em julho de 2016, um infrator tomou a arma do policial militar pelas costas e efetuou vários disparos contra o militar que faleceu. [3] O que esses fatos acima narrados têm em comum? Em todos eles o homem, inicialmente, estava desarmado. O policial nesses casos atua em legítima defesa? Uma das características da legítima defesa é se valer do uso moderado da força, além de ser empregado o meio necessário. Na hora do “vamos ver”, no calor das emoções, não é possível calcular de forma rigorosa e matemática quais são os […]
O policial pode ser youtuber?
Não há problema em um policial ter um canal no YouTube e divulgar conteúdos jurídicos, policiais ou não em seus horários de folga, pois isso está dentro de sua liberdade de expressão e acadêmica. O que o policial não pode fazer é utilizar a imagem institucional, farda, viaturas e estrutura da instituição para produzir conteúdo e divulgar com o fim de gerar engajamento e promoção social, pois se trata da utilização de bens públicos para fins pessoais. Caso esse uso gere recursos para o policial em razão das visualizações e engajamento pode haver improbidade administrativa (art. 9º, XII, da Lei n. 8.429/1992). Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021). XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei. O uso indevido da imagem da corporação por militar pode resultar no crime militar de inobservância de lei, […]
Preconceito Contra a Polícia: Uma Breve Análise dos Fatores Históricos, Culturais, Psicológicos e Midiáticos
Rodrigo Foureaux Resumo O presente texto analisa os múltiplos fatores que alimentam o preconceito contra a instituição policial no Brasil. A abordagem percorre elementos históricos, culturais, psicológicos, midiáticos, institucionais e ideológicos, demonstrando como se formou e se mantém uma percepção social frequentemente distorcida da atividade policial. Fundamentado em dados científicos, relatórios institucionais e produções acadêmicas, o texto busca promover uma reflexão crítica, realista e técnica, contribuindo para uma debate qualificado sobre segurança pública e cidadania. Palavras-chave: preconceito, polícia, segurança pública, mídia, estigmatização. Introdução A atividade policial é essencial à manutenção da ordem pública, da segurança e dos direitos fundamentais em uma sociedade democrática. Apesar disso, é notório que persiste na sociedade brasileira um preconceito estrutural contra as instituições policiais e seus agentes. Este preconceito não surge de forma espontânea, mas se constrói historicamente e é alimentado por diversos fatores inter-relacionados. O presente artigo busca identificar, analisar e discutir os elementos que compõem esse fenômeno, oferecendo uma visão técnica, fundamentada e desprovida de reducionismos ideológicos, contribuindo para o fortalecimento do debate sobre segurança pública no Brasil. 1. Origens Históricas e Sociais do Preconceito 1.1. Baixa Exigência Educacional no Passado Historicamente, o ingresso nas carreiras policiais exigia baixa escolarização, o que alimentou […]